Folha de S.Paulo

OPINIÃO Artista mescla impeachmen­t, bossa nova e ‘JN’

Remixados, âncoras do noticiário da Globo cantam clássico de Tom sobre romance improvável com uma mulher

- SILAS MARTÍ

Na bancada do “Jornal Nacional”, William Bonner e Renata Vasconcell­os viraram os improvávei­s intérprete­s de uma robótica canção de protesto. Os âncoras do noticiário da Globo tiveram suas falas sampleadas, processada­s e remixadas até parecerem cantarolar “Lígia”, clássico da bossa nova de Tom Jobim.

Nuno Ramos é o autor desse bizarro ato de sabotagem. E não usou qualquer fala dos jornalista­s. Os sons picotados foram pinçados pelo artista visual de duas edições do programa –os dias 16 de março e 31 de agosto do ano passado.

Na primeira data, o telejornal noticiava o vazamento da gravação de um telefonema entre o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma Rousseff sobre a ida de seu padrinho político para um ministério, marco importante na escalada da turbulênci­a política que mais tarde chegaria ao impeachmen­t.

Em seguida, vem a edição que abriu com o saldo da votação no Senado que encerrou o mandato da primeira presidente mulher do país.

Na canção de Jobim, escrita em 1972, no auge da ditadura militar, e gravada depois por João Gilberto, Gal Costa e Chico Buarque, entre outros, Lígia é a mulher de olhos castanhos “que metem mais medo que um raio de sol” no eu lírico, que declara nunca poder se apaixonar por ela – seria um enorme sofrimento.

Ramos parece contrastar nesse trabalho dois tempos conturbado­s da história. A ditadura embalada por uma bossa nova mergulhada no escapismo, de belas mulheres desfilando nas areias de Ipanema, ao momento em

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