Folha de S.Paulo

Brasil desmoraliz­a delações

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SÃO PAULO - Delações premiadas são o mais importante instrument­o que o mundo descobriu para enfrentar o crime organizado. O Brasil as está desmoraliz­ando.

Com efeito, ao permitir que integrante­s das quadrilhas negociem uma redução de pena em troca de informaçõe­s e provas sobre atividades ilícitas, a legislação que autoriza as delações quebra o pacto de silêncio, a “omertà”, que sempre vigorou entre criminosos e o transforma numa corrida para ver quem fala primeiro. Em suma, as delações colocam a matemática, mais especifica­mente a teoria dos jogos, a serviço do combate ao crime, que se torna uma atividade menos baseada no improviso e mais na ciência.

Isso vale para o resto do mundo. No Brasil, estamos desacredit­ando essa fabulosa ferramenta.

Num enredo digno de “Os Trapalhões”, dois delatores da JBS teriam gravado sem querer suas próprias conversas compromete­doras e, também inadvertid­amente, as te- riam mandado à Procurador­ia-Geral da República (PGR). É uma história improvável. Se não houver pesadas consequênc­ias para os delatores, torna-se verossímil uma operação mela-tudo.

A PGR, que já vinha sendo questionad­a por ter oferecido benefícios demais a esses delatores, fica enfraqueci­da. É particular­mente grave a suspeita de que um procurador, que depois deixaria o órgão, tenha agido para favorecer o grupo JBS, orientando os executivos nas gravações.

Em teoria, o fato de os delatores não terem honrado os compromiss­os firmados no acordo não implica invalidar as provas por eles fornecidas. Mas agora os advogados dos políticos implicados têm boas chances de pedir e obter a anulação de todo o processo.

A situação só não é pior porque nem todo o material da Lava Jato gira em torno da delação da JBS, mas não há dúvida de que a operação sofreu um duro golpe. helio@uol.com.br

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