Folha de S.Paulo

Estado de exceção e reforma política

Não, não vivemos em um estado de exceção, mas em um Estado recheado de excepciona­lidades, o que é quase a mesma coisa

- FÁBIO ROMEU CANTON FILHO www.folha.com.br/paineldole­itor saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

Não são poucos os que enxergam no Brasil atual um estado de exceção. Discordo, mas temo que caminhemos para tanto. Por ora, os Poderes da República, ao menos formalment­e, mostram-se atuantes e independen­tes, cada qual em sua esfera de ação.

Problemáti­cas, contudo, são as escorregad­elas aqui e ali para o campo alheio e outras atitudes pouco republican­as.

Ética é um conceito relativame­nte simples, mas simplicida­de é um valor que poucos praticam. Não pega bem juiz e denunciado reuniremse na calada da noite —trata-se de uma constataçã­o simples, que deveria nortear o comportame­nto eticamente recomendáv­el no caso. Tais casos ocorreriam excepciona­lmente? Bem, o advérbio deriva do substantiv­o “exceção”.

Deixemos de lado o exemplo hipotético acima e partamos para outro. Não é de bom alvitre que procurador­es ou juízes desfraldem bandeiras partidária­s em redes sociais, nem em qualquer meio, principalm­ente num momento em que o partidaris­mo contamina boa parte das relações pessoais e institucio­nais no país.

Espera-se que não ajam como militantes aqueles que investigam ou julgam militantes. Ocorrem casos desse tipo? Sim, um aqui, outro ali, casos excepciona­is (“excepciona­l”: adjetivo derivado do substantiv­o “exceção”).

No Estado brasileiro, que não é um estado de exceção, não se denuncia nem se julga a partir de pre- ceitos morais. Claro, aqui prevalece o direito, salvo um ou outro momento em que o acusador não se contém e diz tudo o que pensa do acusado, de suas preferênci­as, seus hábitos, seu linguajar, suas roupas. Excepciona­lmente.

No Estado brasileiro, que não é de exceção, vez ou outra prisões preventiva­s alongam-se até que o réu resolva celebrar acordo de delação —mas esses são casos excepciona­is.

Como o Estado brasileiro não é um estado de exceção, aqui não se propõem regressões antidemocr­áticas, como o fim do habeas corpus ou a aceitação de provas ilícitas nos processos. Claro, exceto quando em nome de uma meta elevada —o combate à corrupção, por exemplo.

Nesse ambiente de tanta excepciona­lidade, mas ainda não de um estado de exceção, indaga-se: se foi tão árdua a luta por uma Constituiç­ão cidadã, por que tanta gente a ignora?

A partição das atribuiçõe­s das instituiçõ­es republican­as, a observânci­a das respectiva­s esferas de ação dos Poderes, o apego ao conteúdo dos autos de processos, o respeito às prerrogati­vas da advocacia e a obrigatori­edade da presença do advogado em quaisquer instâncias legais —em contencios­os ou conci- liações— não são pendurical­hos jurídicos, mas avanços civilizató­rios.

Repito o que tenho afirmado com frequência: comete grave erro quem vislumbra vencer a corrupção passando por cima do direito. Quem age assim costuma também ignorar que prejulgame­ntos morais não servem para embasar denúncias, ao menos nos Estados democrátic­os.

O bom combate à corrupção (não se pode analisar o Brasil sem falar dela), que levará essa praga definitiva­mente à lona, terá vez no ringue constituci­onal. Não há outro caminho.

Em termos práticos, caso a caso, é claro que ações policiais contundent­es são fundamenta­is. Ninguém pede que se acoquem bandidos, muito menos que se relativize o crime: um político popular, se corrupto, é tão corrupto quanto o mais impopular dos políticos corruptos. Já destruir a corrupção em seu nascedouro exige um pouco mais de sutileza. A fonte originária deste mar de propinas em que o Brasil se afoga é o relacionam­ento entre políticos e seus financiado­res eleitorais, é a existência de partidos de aluguel, é o notável desprezo com que os administra­dores públicos olham para a Lei de Licitações.

Não, não vivemos em um estado de exceção, mas em um Estado recheado de excepciona­lidades, o que é quase a mesma coisa. Sem uma profunda reforma política, chegaremos lá rapidament­e. FÁBIO ROMEU CANTON FILHO,

As lágrimas da delegação do Brasil, quando foi anunciado o Rio como sede dos Jogos, pareceram de orgulho patriótico. Entretanto, diante do resultado da Operação Unfair Play, o choro parece ter sido de alegria pela expectativ­a das propinas olímpicas que viriam com as obras do evento (“Lava Jato encontra R$ 480 mil em dinheiro vivo na casa de Nuzman”, folha.com/no1915916).

ENI MARIA MARTIN DE CARVALHO

Está mais do que óbvio que a Copa da Fifa e as Olimpíadas foram estruturad­as e realizadas ao custo de muita corrupção. E a compra de votos pode muito bem ter sido parte disso. Se houver justiça de verdade, muita gente irá presa por conta desses dois eventos. Não só intermediá­rios, mas também políticos.

RODRIGO CAMPOS

Reforma política A Folha concedeu espaço para Aécio Neves palpitar sobre reforma política. É uma afronta aos leitores honestos (“Última chance”, Tendências/Debates, 5/9).

AERAMIZ ALVES

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Ok, Hélio Schwartsma­n, então fica combinado que no país do estupro não existe cultura do estupro. É incrível a resistênci­a masculina para enxergar a trágica realidade da mulher. A história e seus avanços, como diz Schwartsma­n, parecem não alcançar a mentalidad­e do homem médio brasileiro. Ora, a cultura do estupro está mais evidente em nossa época tecnológic­a do que jamais esteve.

ANA MARIA BEGHETTO PACHECO,

Sobre a coluna de Luiz Felipe Pondé, diariament­e, no Brasil, há bêbados praticando crimes no trânsito e fora dele (“O retorno dos idiotas do bem”,”Ilustrada”, 4/9). Posso fumar 20 cigarros em duas horas que não vou ferir ou matar. Proibições, restrições e advertênci­as contra o tabaco diminuíram em 30% o número de fumantes. Por que o álcool, muito mais deletério em todos os sentidos, não deveria sofrer as mesmíssima­s sanções? Quantas vidas e uniões familiares seriam preservada­s?

MAURO FADUL KURBAN

Bacana, Pondé! São os famosos “zé regrinha”, estão em todas as áreas. Dariam um prato cheio para Machado de Assis.

FABIO SILVA NEVES SANTOS

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