Folha de S.Paulo

Provas entregues pela JBS podem ser anuladas, afirmam advogados

Nulidade pode ocorrer se ficar provado que ex-procurador manipulou ou omitiu documentos

- MARIO CESAR CARVALHO JOELMIR TAVARES O advogado Celso Vilardi, que tem clientes na Lava Jato O advogado Alberto Toron, que defende Dilma e Aécio

Rodrigo Janot tem defendido que, mesmo que haja quebra do acordo de delação, as provas seguem válidas

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, repete que no caso da JBS não há risco de que as provas apresentad­as pela empresa sejam anuladas, mas professore­s e profission­ais do direito ouvidos pela Folha discordam dessa avaliação.

Segundo eles, as provas podem ser declaradas nulas se ficar caracteriz­ado que o ex-procurador Marcello Miller cometeu crime de advocacia administra­tiva e manipulou provas.

Advocacia administra­tiva ocorre se um funcionári­o público defende interesses privados quando está exercendo alguma função pública.

Janot anunciou na segunda-feira (4) que Miller será investigad­o por suspeita de ter ajudado Joesley a costurar o acordo quando integrava o gabinete do procurador-geral da República.

Ele deixou o cargo no dia 5 de abril, e seis dias depois já trabalhava no escritório de advocacia que atuou no acordo da JBS, o Trench, Rossi e Watanabe Advogados.

Nesta terça-feira (5), Miller divulgou nota afirmando ter “convicção de que não cometeu qualquer crime ou ato de improbidad­e administra­tiva”.

“Se o procurador praticou advocacia administra­tiva, as provas são ilícitas porque ele atuou contra o interesse público”, diz Alberto Toron, professor da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado) e defensor da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e do senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Para Toron, o simples fato

CARLOS KAUFFMANN

advogado

“procurador orientou Joesley a fazer a gravação, isso é ação controlada e teria de ser comunicada à Justiça. Nesse caso, a prova é ilícita

de o procurador ter ajudado Joesley com o acordo caracteriz­a advocacia administra­tiva.

Já Thiago Bottino, professor de direito da Fundação Getulio Vargas no Rio, afirma que o eventual crime só ficará caracteriz­ado se houver provas de que o procurador adulterou ou omitiu provas.

“Se o procurador só ajudou o Joesley a obter uma pena menor, isso não interfere nas provas nem as torna ilícitas. Para mim, as provas só de- vem ser anuladas se ficar claro que elas foram produzidas de maneira ilícita”, afirma.

Carlos Kauffmann, professor de processo penal na PUCSP (Pontifícia Universida­de Católica), prefere citar um exemplo concreto, a gravação que Joesley fez do presidente Michel Temer, para ilustrar o que considera prova ilícita. “Se o procurador orientou o Joesley a fazer a gravação, isso se chama ação controlada e tem de ser comunicada à Justiça. Se houve orientação de Miller, a prova é ilícita porque nenhum juiz foi avisado dessa ação.”

Segundo Kauffmann, há dúvidas também sobre a espontanei­dade do acordo, um quesito exigido pela lei. “Toda delação tem de ser espontânea. Se foi direcionad­a para atingir um certo alvo, o acordo perde a validade.”

Para o advogado Celso Vilardi, que é professor da Fundação Getulio Vargas em São Paulo e tem clientes na Ope- ração Lava Jato, se houve na celebração do acordo algum vício, algo que macule o trato, ele é passível de anulação.

Haveria vício, por exemplo, se a investigaç­ão demonstrar que Miller cometeu ato ilícito. Alguma conduta do procurador que seja considerad­a criminosa colocaria tudo em risco. CLIMA SUSPEITO Outra avaliação de especialis­tas ouvidos pela reportagem é que as revelações desta segunda-feira (4) criam uma atmosfera de suspeita sobre o acordo como um todo, o que poderá ser usado por advogados das pessoas implicadas como estratégia para desqualifi­car acusações.

“Certamente quem tem interesse no caso vai se valer disso”, diz Renato de Mello Silveira, professor da Faculdade de Direito da USP. “As defesas vão tentar nulificar tudo.”

O advogado Daniel Gerber defende inclusive que a vali- ALBERTO TORON advogado

“procurador praticou advocacia administra­tiva [quando funcionári­o público defende interesses privados], as provas são ilícitas

dade da delação da JBS seja suspensa imediatame­nte.

“Se o próprio Janot diz que Miller talvez tenha agido de maneira ilícita, até onde mais isso pode ter chegado?”, afirma ele. “Eu estou falando não como advogado do [ministro Eliseu] Padilha”, segue Gerber, “mas acho no mínimo um desrespeit­o às regras processuai­s se valer de provas que podem estar viciadas para tomar qualquer atitude contra qualquer cidadão”.

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Zanone Fraissat/Folhapress
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Pedro Ladeira/Folhapress

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