Folha de S.Paulo

Com voz trovejante, ‘dama de rosa’ faz os anúncios norte-coreanos há 46 anos

- NELSON DE SÁ DEREK HAWKINS

Em algum lugar ao norte do paralelo 38, a terra tremeu inesperada­mente no domingo (3). Depois veio a declaração trovejante de uma avó norte-coreana em um vestido tradiciona­l cor-de-rosa.

Ri Chun-hee, 74, a mais famosa apresentad­ora de telejornai­s da Coreia do Norte, anunciou que o sexto teste nuclear do país havia ocorrido sem nenhum problema.

“O teste de uma bomba de hidrogênio destinada a ser montada em nosso míssil balístico interconti­nental foi um sucesso total”, troou Ri, sorrindo, sentada diante de uma pintura de um lago. “Foi um passo muito importante para completar o programa de armas nucleares do país.”

Descrita como “a voz da Coreia do Norte”, Ri é, há mais de 40 anos, a apresentad­ora mais famosa da Televisão Central Coreana. Sua predileção pelos choson-ots, vestidos formais coreanos, em cor-de-rosa lhe valeram o título de “dama de rosa”.

Com pompa e um tom quase de ópera, ela já anunciou testes nucleares, condenou os inimigos do regime e narrou a vida e as façanhas de três gerações de líderes norte-coreanos.

“Ela tem uma voz muito agressiva, que os norte-coreanos diriam que ‘preenche a tela’”, disse Kim Yong, desertor do Norte, à agência Reuters em 2009. “Quando escutava os locutores sul-coreanos ao chegar aqui, parecia que ouvia mamãe e papai conversand­o no quarto.”

Detalhes sobre a vida e a carreira de Ri são escassos, mas ela teria nascido em 1943 em uma família pobre no que hoje é a parte sudeste do país, e frequentou a escola de teatro em Pyongyang.

Em relato apócrifo em 2009, a revista norte-coreana “Chosun” diz que ela foi incentivad­a pelo primeiro líder do regime, Kim Il-sung (19121994), avô de Kim Jong-un, “com amor caloroso e fé” a desenvolve­r a voz autoritári­a.

“Com o passar do tempo, sua voz passou a ter um apelo tal que sempre que emocionava os espectador­es sempre que ela falava”, dizia o texto. “Quando Ri anunciava relatórios e declaraçõe­s, os inimigos tremiam de medo.”

Ri entrou para a televisão estatal em 1971. Nos anos 1980, era presença constante na rede. Foi ela quem deu a notícia, aos prantos, de que Kim Il-sung tinha morrido e chorou novamente quando o filho dele, Kim Jong-il (19412011), havia morrido de uma “doença súbita”.

Talvez tenha sido o momento mais famoso de sua carreira. No anúncio, ela aparece vestida de preto e sua voz treme ao dar a notícia.“Nosso grande camarada Kim Jong-il, o secretário-geral do Partido dos Trabalhado­res da Coreia, presidente da Comissão Nacional de Defesa da República Popular Democrátic­a da Coreia e comandante supremo do Exército Popular do Coreia, faleceu”, entoa.

Ri continua com soluços dignos de uma novela vespertina: “Fazemos este anúncio com grande tristeza”.

Ela se aposentou dos noticiário­s em 2012, mas o regime a chama em ocasiões especiais. Se surgirem hostilidad­es na península Coreana, quase certamente será ela a voz imponente que transmitir­á a notícia.

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KCTV/AFP Ri Chun-hee anuncia o sexto teste nuclear norte-coreano

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