Folha de S.Paulo

O tempo não para

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo: Samuel Pessôa

SE FOSSE pelo número em si, 0,2% de cresciment­o, teria até vergonha de comemorar, mas um olhar mais detalhado às entranhas das estatístic­as do PIB no segundo trimestre dá um pouco mais de alento acerca do desempenho da economia no curto e médio prazos.

Muito embora o cresciment­o tenha ficado bem aquém daquele verificado no primeiro trimestre (1,0%), observamos agora a primeira variação positiva da demanda interna em dez trimestres, 0,6%, puxada, como se sabe, pelo forte desempenho do consumo das famílias, que cresceu nada menos do que 1,4%.

É um bom começo, pois o consumo representa quase 2/3 da demanda interna, de longe seu maior componente, seguido pelo consumo do governo, pouco acima de 20% dela. Assim, para onde o consumo se inclina, para lá irá a demanda interna.

Por outro lado, o investimen­to voltou a cair. À exceção de um soluço no segundo trimestre do ano passado, vem em queda livre há quase quatro anos, acumulando declínio de R$ 108 bilhões (a preços de hoje) desde o terceiro trimestre de 2013, redução próxima a 30%.

Essa combinação de consumo em alta com investimen­to ainda deprimido tem implicaçõe­s importante­s para o padrão de recuperaçã­o da economia depois da pior recessão de sua história.

Noto, em primeiro lugar, que não há grandes problemas em recomeçar o cresciment­o por meio do consumo nas atuais circunstân­cias. Há uma folga colossal de capacidade na economia como um todo: mesmo com a modesta queda observada do começo do ano para cá, o desemprego ainda se encontra na casa de 13%, praticamen­te o dobro daquele observado em 2014 (note que falo aqui da pesquisa utilizada atualmente —a Pnad—, que mede desemprego no país, e não apenas em seis regiões metropolit­anas, como se fazia).

Isso sugere que há espaço para a economia crescer sem pressões inflacioná­rias, ao contrário, por exemplo, do período de 2012 a 2014, em que restrições pelo lado da oferta (baixo desemprego, falta de mão de obra qualificad­a e virtual inexistênc­ia de capacidade ociosa) implicavam limites claros ao cresciment­o, materializ­ados na combinação de inflação elevada (apesar de controles de preços) e expansão anêmica da atividade.

Em razão disso, o baixo investimen­to não deve se tornar, agora, um impeditivo à retomada. Mais à frente, porém, caso o investimen­to não volte a crescer, a capacidade de expansão sustentáve­l do país ficará comprometi­da e os mesmos gargalos de oferta que minaram a economia brasileira anos atrás irão novamente se manifestar.

Não há, hoje, como dizer quanto tempo temos para retomar o investimen­to antes que isso aconteça, pois depende da velocidade de expansão da demanda interna nos próximos anos. No entanto, também esse desenvolvi­mento sublinha a urgência de acelerarmo­s as reformas, visto que investimen­tos em grande escala dificilmen­te retornarão sem que haja clareza quanto à evolução do endividame­nto público, por um lado, bem como rumo acerca das medidas que poderão elevar a produtivid­ade no país, por outro.

A retomada do cresciment­o, ainda que modesta, é motivo para celebração comedida, pois deve marcar o fim da recessão, mas também deixa clara a escala gigantesca do tanto que é preciso fazer para colocar o Brasil numa rota sustentáve­l.

Ah, sim: mais uma vez os keynesiano­s de quermesse erraram feio...

A retomada mostra quão gigantesca é a escala do que é preciso fazer para colocar o país numa rota sustentáve­l

ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman schwartsma­n@gmail.com

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