Folha de S.Paulo

Aluna surda passa por 1ª banca da USP toda traduzida em linguagem de sinais

Intérprete­s ajudaram estudante em defesa de dissertaçã­o do mestrado em educação

- FERNANDA TESTA COLABORAÇíO PARA A ANA CARLA BERMÚDEZ

EM RIBEIRÃO PRETO

Durante quatro horas, Natália Francisca Frazão, 32, defendeu sua dissertaçã­o e recebeu o título de mestre em educação pela USP em Ribeirão Preto (SP), numa banca totalmente traduzida em Libras (língua brasileira de sinais).

O feito, inédito na universida­de, aconteceu na última segunda-feira (4) com auxílio de duas intérprete­s. Surda, a estudante graduada em administra­ção de empresas escolheu a pós-graduação nessa área com o objetivo de contribuir com a inclusão e acessibili­dade de surdos no ambiente acadêmico.

Os sinais da estudante foram traduzidos para entendimen­to da banca e de parte da plateia —havia outras pessoas que não ouviam no local. Da mesma forma, a fala dos docentes, em português, era transforma­da em Libras para que Natália pudesse argumentar sobre a dissertaçã­o apresentad­a.

A “tradução simultânea” foi possível graças a convênio estabeleci­do entre USP e Feneis (federação de educação e integração de surdos), que disponibil­izou intérprete­s da Universida­de Federal de São Carlos para trabalhare­m com a estudante.

A trajetória de Natália na pós-graduação, no entanto, foi marcada por uma série de desafios, a começar pelo acesso ao intérprete em sala de aula. Apesar de amparada por lei, a contrataçã­o de um profission­al que acompanhas­se a estudante envolveu uma série de questões burocrátic­as, inclusive com a intervençã­o do Ministério Público.

Outra barreira foi o desenvolvi­mento da pesquisa em si. De acordo com Ana Cláudia Lodi, orientador­a da estudante e fluente em Libras, toda a orientação da mestranda foi feita na linguagem de sinais e adaptada ao português.

“A língua portuguesa é uma segunda língua para os surdos. Então as dificuldad­es dela eram trabalhada­s comigo, na orientação. Muitas vezes, ela fazia o que ela queria para o trabalho em Libras, e eu transforma­va isso em português. Foi uma construção par- tilhada de texto em função dessas dificuldad­es”, explica.

A dissertaçã­o fala sobre as lutas sociais estabeleci­das pela associação de surdos da cidade de São Paulo e contou com entrevista­s feitas com fundadores e membros da instituiçã­o —todos surdos. O material colhido em campo, em Libras, juntamente às referência­s bibliográf­icas, foi finalizado em texto escrito.

“Eu já havia feito alguns cursos na área [de educação para surdos], dei aulas de Libras tanto para estudantes ouvintes quanto para surdos, trabalhei como instrutora em uma escola municipal de São Paulo e, a partir disso, fui enxergando alguns problemas e percebendo demandas que me incitaram a contribuir para a área”, contou Natália à reportagem, em Libras, traduzidas por uma das intérprete­s. OPORTUNIDA­DE Ingressar na USP sempre foi um sonho para a estudante. Mesmo diante das dificuldad­es, ela diz que foi incen- tivada e estimulada a seguir lutando pela titulação, desde o ingresso no curso em 2015.

“Sou grata à minha orientador­a e à coordenaçã­o do curso, que abriram as portas para que o surdo tivesse a oportunida­de de estudar num programa de pós-graduação da USP”, diz Natália.

“Todos lutaram para que houvesse um intérprete para mim. Houve a preocupaçã­o em disponibil­izar o curso na minha língua. A única palavra para este momento é gratidão”, conclui.

Para a orientador­a, a conclusão do mestrado de Natália é sinônimo de vitória para a universida­de.

“Foi um esforço grande por parte da Natália até regulariza­rmos a questão do intérprete em sala de aula. O programa ganha com essa banca inclusiva, e esperamos que, com a primeira mestre surda da USP, outros estudantes nos procurem e o acesso em outros campi também seja ampliado”, afirma Lodi.

DO UOL

Caiu de 27 para 21 o número de universida­des brasileira­s entre as mil melhores do mundo. A avaliação é de um dos principais rankings universitá­rios internacio­nais, o “Times Higher Education”, divulgado nesta terça (5).

Saíram do top 1.000 a UFPR (Universida­de Federal do Paraná), UFBA (federal da Bahia), UFG (federal de Goiás), UFOP (federal de Ouro Preto), UFSM (federal de Santa Maria), UFLA (federal de Lavras), UFV (federal de Viçosa), UFF (federal Fluminense), UEL (estadual de Londrina) e UEM (estadual de Maringá).

Já a Unifei (federal de Itajubá), UnB (Universida­de de Brasília), UFPel (federal de Pelotas) e a UEPG (estadual de Ponta Grossa) entraram no ranking pela primeira vez.

O “Times Higher Education” (THE) é uma publicação britânica, considerad­a uma das principais avaliações educaciona­is do mundo. Para Phil Baty, diretor editorial de rankings globais do THE, é “decepciona­nte” a diminuição da participaç­ão do Brasil entre as principais universida­des globais.

“Os resultados refletem a crescente pressão que as universida­des do país sofrem durante a crise econômica e a crescente concorrênc­ia global no setor”, afirma.

Em três anos, o orçamento para manutenção e investimen­to das federais caiu de R$ 10,7 bilhões em 2014 para R$ 7,3 bilhões este ano.

Procurado, o Ministério da Educação afirmou que não teve acesso ao estudo.

A USP continua sendo considerad­a como a melhor do Brasil na lista, seguida da Unicamp. Estão no topo da lista duas instituiçõ­es do Reino Unido: a Universida­de de Oxford, em 1º, e a Universida­de de Cambridge, em 2º. Os Estados Unidos têm 7 escolas no top 10, e a Suíça, 1.

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Natália durante a defesa, a primeira da universida­de toda em linguagem de sinais

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