Folha de S.Paulo

Relatório confirma ida de Nuzman à Nigéria, onde teria pago propina

Documento do Itamaraty informa que cartola esteve no país com Pelé, diplomatas e ministro

- ITALO NOGUEIRA

Campanha que elegeu o Rio como sede dos Jogos Olímpicos de 2016 está sob suspeita de ter pago milhões a senegalês

Documento do Itamaraty confirma a ida do presidente do COB, Carlos Artur Nuzman, à Nigéria em julho de 2009, local e data em que o cartola teria feito ponte para o pagamento de propina, segundo a investigaç­ão de autoridade­s da França e do Brasil.

De acordo com documentos obtidos pela Folha com base na Lei de Acesso à Informação, a campanha brasileira desembarco­u em Abuja no dia 5 de julho com o então ministro Orlando Silva (Esporte), Pelé, Robson Caetano e o presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil), Carlos Arthur Nuzman.

O nome do ex-secretário municipal Ruy Cézar, citado como operador do pagamento das propinas, não é mencionado. Contudo, era comum que diplomatas se referissem apenas às autoridade­s federais em seus despachos.

Em depoimento aos procurador­es franceses, Eric Maleson, ex-presidente da CBDG (Confederaç­ão Brasileira de Desportos no Gelo) afirmou que meses após a viagem à Nigéria “Ruy César lhe tinha indicado que o encontro tinha se passado bem e lhe tinha feito compreende­r que o dinheiro tinha sido pago”.

A campanha que escolheu o Rio como sede da Olimpíada está sob suspeita de pagamento de propina de US$ 2 milhões (R$ 6,6 milhões em valores atualizado­s) a Lamine Diack, membro do COI entre 1999 e 2013.

Nuzman é apontado como o elo por fazer a ponte entre os dirigentes esportivos e o esquema de corrupção do exgovernad­or Sérgio Cabral.

Este pagamento ocorreu na última semana de setembro de 2009, às vésperas da eleição no COI, em 2 de outubro.

A procurador­a Fabiana Schneider afirmou que só há provas de pagamento a Diack. Ela disse que o senegalês tinha ascendênci­a sobre outros dirigentes africanos, o que poderia determinar o voto de mais membros do COI.

Os dirigentes dos comitês de campanha do Rio, Madri, Tóquio e Chicago costumavam aproveitar encontros continenta­is para abordar potenciais eleitores e fazer apresentaç­ões das candidatur­as.

Diplomatas brasileiro­s por vezes acompanhav­am as abordagens nacionais, mantinham contato direto com alguns dos eleitores e relatavam suas impressões à CGCE (Coordenaça­o-Geral de Cooperação Esportiva), órgão do Itamaraty encarregad­o de coordenar o esforço diplomátic­o pela então cidade-candidata.

Nos dias 6 e 7 de julho, Abuja, capital nigeriana, sediou a 13ª reunião da Associação dos Comitês Olímpicos Nacionais da África (Anoca).

Pelé foi umas das estrelas da campanha diplomátic­a. Distribuiu cinquenta bolas de futebol para crianças entre 5 e 14 anos da instituiçã­o filantrópi­ca Edu Vision.

A defesa de Nuzman afirmou que só comentaria os fatos após ter acesso ao processo. “Toda a jornada da Olimpíada do Rio, da candidatur­a à cerimônia de encerramen­to, foi conduzida dentro da lei”, disse a defesa do cartola, em nota, na terça (5).

Orlando Silva afirmou que nunca ouviu qualquer discussão sobre propina durante a campanha. “Vi as notícias com muita surpresa. Houve um esforço muito concentrad­o para conseguir a vitória do Rio”, disse o hoje deputado federal (PC do B-SP).

A assessoria de Pelé disse que o ex-jogador “participou dos eventos como convidado, nunca em encontros formais”.

Robson Caetano afirmou que não viu “nenhuma coisa errada” durante os eventos na Nigéria. “Não sou de andar nos saguões de hotel para falar com A, B ou C. Espero profundame­nte que, se houve alguma infração, que seja apurada e punida”, completou. ‘QUEM DÁ MAIS’ Em julho de 2016, a Folha revelou que diplomatas relataram pedidos de “mimos” aos dirigentes do comitê de candidatur­a. Um dos casos ocorreu com o general Francis Nyangweso, morto em 2010, membro de Uganda no COI.

“Nyangweso mencionou que a candidatur­a brasileira poderia enfrentar a concorrênc­ia de ofertas esportivas de outros candidatos, citando o Japão”, escreveu a embaixador­a Ana Maria Sampaio Fernandes.

A candidatur­a de Tóquio para sediar os Jogos em 2020 também é suspeita de ter pago propina para Diack.O COI analisou os documentos obtidos pela Folha à época e afirmou não haver infrações.

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Louisa Gouliamaki - 04.jun.2008/AFP 12.fev.2009

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