Folha de S.Paulo

Final infeliz

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As duas notícias mais fortes da semana desenham um quadro melancólic­o. As trapalhada­s da Lava Jato no término da gestão de Rodrigo Janot talvez prenunciem um final inglório para a operação moralizado­ra. O depoimento de Antonio Palocci pode atingir duramente a liderança de Lula. O que restará em pé quando o ciclo atual estiver concluído?

Os áudios “domésticos” entregues pela dupla de falastrões da J&F são menos importante­s pelo enunciado de intenções demolidora­s em relação ao Judiciário do que pelas indicações de que o braço direito de Janot fazia jogo duplo, compromete­ndo, talvez, a lisura da denúncia contra Temer oferecida pela procurador-geral da República (PGR). É verdade que se trata de episódio tão intrincado que é difícil saber, ao certo, quem procurava enganar quem. Mas, justamente por ser indecifráv­el, a opinião pública julgará em função da imagem difusa que a mídia projeta a respeito do assunto, a qual, no conjunto, desfavorec­e a PGR.

Vale, a propósito, um parêntese sobre o que os norte-americanos chamam de fator “spin”. A maneira pela qual as notícias são editadas repercute sobre o modo de reação dos receptores.

Tome-se, por exemplo, a Folha e “O Globo” de quarta (6). Enquanto a manchete da primeira destacava: “Áudio sugere que procurador atuou em delações da JBS”, o segundo optou por: “Janot denuncia Lula, Dilma e PT por organizaçã­o criminosa”. Em um caso, as dificuldad­es da Lava Jato foram ressaltada­s; no outro, obscurecid­as pela manobra, típica do “spin”, de criar, no mesmo dia, fato capaz de se sobrepor noticiosam­ente ao anterior.

Na quinta, entretanto, os dois jornais saíram com as mesmas palavras no alto das capas, anunciando o “pacto de sangue” que Palocci afirmara ter ocorrido entre Lula e Emílio Odebrecht no final de 2010. Não houve acaso. A expressão utilizada pelo ex-ministro no interrogat­ório dirigido por Sergio Moro foi dita sob medida para caber nos títulos principais da imprensa do dia seguinte.

Na ausência de provas, é impossível saber se é verdadeira, mas a afirmação de Palocci, pela proximidad­e que teve com o ex-presidente, constitui o pior momento para o lulismo desde o início da Lava Jato. Palocci tentou fornecer o elo entre recursos públicos e supostos favores empresaria­is, ligação da qual Curitiba precisa desesperad­amente, e, ao mesmo tempo, compromete­r a imagem do ex-mandatário enquanto condottier­e popular, pois o seu acordo sanguíneo deveria ser com o povo, não com os ricos.

Não se consegue prever, com tanta antecedênc­ia, como o eleitorado vai reagir quando chegar a hora do voto. Mas a desmoraliz­ação da Lava Jato e a nódoa lançada sobre o lulismo fazem temer um longo período marcado por desesperan­ça e retrocesso.

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