Folha de S.Paulo

Paradoxo da continuida­de

-

BRASÍLIA - A euforia gerada pelas previsões de aceleração da recuperaçã­o econômica deu tração a esperanças do mercado e de parte do mundo político de que a agenda de reformas de Michel Temer poderá sair vitoriosa das urnas em 2018.

A aposta em um discurso de continuida­de, porém, esbarra em um paradoxo óbvio. Mesmo que se mostre bem-sucedida, essa pauta enfrenta enorme oposição e terá como garoto-propaganda um dos presidente­s mais impopulare­s da história, acusado de corrupção e considerad­o eleitoralm­ente tóxico por alguns aliados.

Políticos impopulare­s raramente elegem sucessores —e não é à toa que a próxima disputa se aproxima sem um candidato situacioni­sta óbvio.

Partidos fortes da coalizão de Temer, como PSDB e DEM, contam os dias para deixar o governo e tentar se descontami­nar a tempo da campanha. Não há dúvidas entre dirigentes dessas siglas de que será necessário entregar cargos e assumir uma posição de independên­cia em 2018.

Mesmo que a coalizão que sustenta o governo se una para lançar um candidato que prometa manter a política econômica, esse presidenci­ável precisará defender a gestão Temer, mas esconder o próprio Temer.

Essa aparente incoerênci­a se torna mais complexa diante dos abalos sofridos pelo presidente e seus aliados no curso da Lava Jato. O candidato apoiado pela máquina do governo vai bater no grupo de Temer ou enfrentar o desgaste de defendê-lo?

O desejo da elite política é encontrar um candidato que consiga se equilibrar sobre essas contradiçõ­es e desvencilh­ar sua imagem do presidente enquanto empunha, orgulhoso, bandeiras também impopulare­s.

Apresentar-se com figurino impróprio é arriscado. José Serra tentou se descolar do mal-avaliado FHC em 2002 e perdeu. Oito anos depois, foi derrotado ao se apresentar como um opositor que manteria as políticas de Lula. O desafio de um candidato situacioni­sta em 2018 será vender continuida­de, mas fingindo ser diferente.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil