Folha de S.Paulo

CRÍTICA Desafio à lei pavimentou sucesso de Uber e Airbnb, defende livro

Obra retrata as batalhas regulatóri­as das start-ups com autoridade­s locais

- NATÁLIA PORTINARI

“Nosso produto é tão superior ao status quo que, se dermos às pessoas a oportunida­de de testá-lo em qualquer lugar onde o governo precise levar minimament­e em consideraç­ão o que o povo quer, elas vão exigi-lo e defender o seu direito de existir.”

Em 2012, após a Uber ganhar uma batalha regulatóri­a em San Francisco, sua cidade natal, essa é a filosofia que circulava entre seus advogados e lobistas, apelidada de “lei de Travis”.

Travis Kalanick, então presidente da start-up, tinha definido nos últimos meses o expediente que iria se repetir em mais de 600 cidades pelo mundo —conquistar usuários, ignorar as autoridade­s e bancar as consequênc­ias.

Quem conta a história é o jornalista Brad Stone, autor de “As Upstarts” (Intrínseca). O livro é uma densa reportagem sobre a Uber e o Airbnb de 2009 a 2016, desde a fundação até quando passaram a valer, respectiva­mente, US$ 68 bilhões e US$ 30 bilhões.

O que une as duas empresas? Já é clichê, mas vale repetir: “A maior empresa de táxis do mundo não tem nenhum carro, e a de hotéis não tem nenhum imóvel”.

Hoje, Kalanick está queimado. Foi forçado a renunciar em junho, acusado de invasão de privacidad­e dos clientes, machismo, espionagem industrial, gritar com um motorista, passar a perna em investidor­es e, o pior, apoiar Donald Trump.

É de esperar que um executivo cujo objetivo era “acabar com os babacas dos taxistas” metesse os pés pelas mãos quando a Uber chegasse à maturidade, mas as críticas pessoais são enganadora­s.

Quem ler “As Upstarts” descobrirá que o Airbnb partilha do mesmo despeito pelas autoridade­s da Uber, mas apela às boas intenções.

Existe o “bom Airbnb” e o “mau Airbnb”, nas palavras de Stone. O primeiro pendura, no escritório, frases motivacion­ais sobre hospitalid­ade, amizade e comunhão.

O segundo é acusado de expulsar moradores pobres dos centros das grandes cidades para abrir caminho para turistas, patrocinan­do a concentraç­ão imobiliári­a nas mãos de alguns proprietár­ios.

Em um evento em uma incubadora de start-ups em 2015, Brian Chesky enuncia algo próximo à “lei de Travis”: “Você precisa crescer muito, muito depressa. Você deve ficar abaixo do radar da lei ou ser grande o bastante para virar uma instituiçã­o. Você precisa alcançar o que eu chamo de velocidade de escape.”

A palavra “upstart”, escolhida por Stone para o título, resume: “Pessoa que iniciou há pouco uma atividade, fez sucesso e não demonstra o devido respeito para com as pessoas mais velhas e experiente­s ou para com a maneira tradiciona­l de fazer as coisas”.

Se algum país foi pego de surpresa pela audácia dessas companhias, não deveria ter sido o caso no Brasil. O transporte paralelo, em lotações, mototáxis e Kombis, é um velho conhecido nas metrópoles do país, muitas vezes associado ao crime organizado.

Mas os donos das lotações ilegais brasileira­s não têm o telefone de meia dúzia de investidor­es de capital de risco salvos na agenda nem nasceram na Califórnia, o que prejudica o empreendim­ento.

O que, de fato, diferencio­u essas start-ups das outras?

Stone não responde, mas pode ser a própria tecnologia. O Vale do Silício é obcecado com o verbo “to scale” —se você tem 40 clientes, precisa de um software que execute a mesma tarefa para 40 milhões sem nenhum atrito.

Há, ainda, outros fatores distintivo­s. Segundo Stone, os aplicativo­s rivais sofriam de “timing errado, teimosia ou bom-mocismo crônico”.

Esse “bom-mocismo” foi, em alguns casos, seguir a lei ou consultar a prefeitura sobre como conduzir uma operação —santa ingenuidad­e.

O único erro de Stone, repórter da Bloomberg, talvez seja tratar a trajetória das “upstarts” como regra, enquanto o compliance ficaria para os fracassado­s. EDITORA Intrínseca AUTOR Brad Stone QUANTO R$ 54,90 (384 págs.) CLASSIFICA­ÇÃO ótimo DIREITO Teoria Jurídica da Privatizaç­ão AUTORES Fernando Borges Mânica e Fernando Menegat EDITORA Lumen Juris QUANTO R$ 95 (306 págs.)

Professore­s de direito público apresentam a legislação e a jurisprudê­ncia relativa aos projetos de privatizaç­ão e analisam possibilid­ades de parcerias entre público e privado. INOVAÇÃO Life 3.0 AUTOR Max Tegmark EDITORA Knopf QUANTO R$ 87,90 (livro digital; 384 págs.)

Professor do MIT avalia transforma­ções profundas que devem ser trazidas pela inteligênc­ia artificial e discute como garantir que seus resultados sejam positivos. VENDAS Você Não Vai Mais Conseguir Vender Assim AUTOR Guilherme Machado EDITORA Gente QUANTO R$ 29,90 (224 págs.)

Traz método para fechar mais negócios. Propõe a vendedores ajudar consumidor­es a descobrir desejos que não percebiam em vez de apenas solucionar necessidad­es. NEGÓCIOS Red Teaming AUTOR Bryce G. Hoffman EDITORA Piatkus QUANTO R$ 33,85 (livro digital; 288 págs.)

Descreve método usado pelo Exército dos EUA para prevenção contra ameaças inesperada­s e mostra como usá-lo, na defesa contra concorrent­es que transforma­m o mercado.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil