10% mais ricos absorveram 61% do crescimento, aponta estudo
Levantamento, que abrange o período entre 2001 e 2015, leva em conta dados da Receita Federal
Pesquisa do instituto de Thomas Piketty indica ainda que renda dos brasileiros mais ricos supera a de franceses
A desigualdade de renda no Brasil não caiu entre 2001 e 2015 e permanece em níveis “chocantes”. A conclusão é de estudo do World Wealth and Income Database, instituto de pesquisa codirigido pelo economista Thomas Piketty, que ficou célebre por seu livro “O Capital no Século 21”, em que analisa a desigualdade.
O período analisado leva em conta o fim do governo Fernando Henrique Cardoso (2001 e 2002) e os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (a partir de 2003).
Segundo a pesquisa, os 10% mais ricos da população aumentaram sua fatia na renda nacional de 54% para 55%, enquanto os 50% mais pobres ampliaram sua participação de 11% para 12% no período. Esse crescimento foi feito à custa de uma queda da fatia dos 40% intermediários (de 34% para 32%).
O crescimento econômico observado no Brasil de 2001 a 2015 teve pouco impacto na redução da desigualdade porque foi capturado principalmente pelos 10% mais ricos, que ficaram com 61% da expansão observada. Já a metade mais pobre da população foi beneficiada com apenas 18% desses ganhos.
“Em resumo, a desigualdade total de renda no Brasil parece ser muito resiliente à mudança, ao menos no médio prazo, principalmente em razão da extrema concentração de capital e seus fluxos de renda”, conclui o estudo.
Um exemplo dessa concentração de capital são os lucros não distribuídos de empresas fechadas, que cresceram a uma taxa três vezes superior à remuneração de empregados (231% versus 74%).
Isso mostra que, embora tenha havido melhora na igualdade salarial, os recursos concentrados entre a população mais rica expandiram-se a uma velocidade maior.
A pesquisa, assinada pelo economista Marc Morgan, vai na contramão de indicadores como o Índice de Gini e de dados do IBGE, segundo os quais houve uma redução na diferença entre pobres e ricos no período, atribuída às políticas de redistribuição, como o Bolsa Família, e à valorização do salário mínimo.
Com base nesses indicadores, os governos Lula e Dilma defendem que houve redução na desigualdade durante suas gestões —afirmação que o novo estudo põe em xeque.
Esther Dweck, assessora econômica do Ministério do Planejamento entre 2011 e 2016 e professora da UFRJ, diz que não é possível medir se a situação de quem estava abaixo da linha da pobreza melhorou pela pesquisa.
“A renda dos mais miseráveis não é medida pelo Imposto de Renda, porque eles não declaram. Esse estudo capta bem a situação do 1%, que não ganha com trabalho.”
“Não traz nenhuma surpresa, mas, de fato, pela Pnad, os números pareciam melhores. O estudo mostra que, no Brasil, não conseguimos fazer uma política de redistribuição na riqueza de forma mais estruturante”, diz Dweck.
A pesquisa não é a primeira a divergir da tese de queda da desigualdade. Os resulta- dos encontrados estão em linha com os observados pelos pesquisadores Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio de Castro, da Universidade de Brasília, que identificaram estabilidade no nível de desigualdade entre 2006 e 2012.
Segundo o estudo, a participação do Bolsa Família e do Benefício da Prestação Continuada (BPC) na renda nacional foi de apenas 1%, em média, nesses 15 anos. Apesar da contribuição pequena, esses programas elevaram a taxa de crescimento da fatia dos 50% mais pobres de 9% para 21%, ressalta Morgan.
Uma das explicações para a discrepância é a metodologia. O estudo do instituto leva em conta dados da Receita e das contas nacionais, o que minimiza o problema de pesquisas com base em entrevistas, nas quais os mais ricos tendem a omitir sua renda.
Assim, o levantamento chegou a uma média de renda anual de US$ 541 mil (R$ 1,6 milhão) entre o 1% mais rico da população em 2015 —superior à renda média do top 1% francês (US$ 450 mil a US$ 500 mil). Já a renda média dos 90% mais pobres no Brasil equivale à média dos 20% mais pobres na França.
“Nossos resultados levam a uma revisão acentuada para cima das estimativas oficiais de desigualdade no Brasil, ao mesmo tempo em que as tendências de queda na desigualdade são revertidas de acordo com a nossa série de dados”, afirma Morgan.