Folha de S.Paulo

País quer fim da república dos Batista

- RONALDO CAIADO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

O ESTADO brasileiro vive sob a suspeita, fundada, de ter sido capturado, em seu conjunto, pelo crime organizado. Não se trata, como muitos pensam, só do Poder Legislativ­o.

Este, por ser o mais aberto e transparen­te, é o que mais se expõe, mas está longe de ser o único infectado. Na verdade, todos o foram —e exercem forte protagonis­mo na crise.

O áudio de Joesley Batista, repugnante, um circo de horrores, é (não a única) prova disso. Expõe métodos com que agia nas três esferas do Poder, comprando apoios, obstruindo a Justiça, impondo interesses que passam ao largo do bem comum.

Temos visto sucessivos depoimento­s de agentes públicos e privados descrevend­o o mesmo cenário abjeto: a relação incestuosa entre o público e o privado, sob os auspícios do contribuin­te. Tudo numa sequência vertiginos­a que leva o cidadão comum, já sem referência­s institucio­nais, a quase desistir do Brasil.

A corrupção é crime hediondo —e nocauteou o país. Contemplad­o com um acordo de delação privilegia­do, que o isentou de qualquer punição, Joesley admite assim mesmo que não contou tudo. “Se fiz 30 traquinage­ns, conto apenas 20”, diz, com a arrogância de quem se sente de posse do país.

Escarnece da lei, das instituiçõ­es e das autoridade­s dos três Poderes. Cita o então procurador Marcello Miller como colaborado­r e parceiro de sua delação —o mesmo que deixaria a PGR para advogar para a própria JBS.

Com um gravador no bolso, bilhões nos cofres e nenhum senso moral, diz como planeja continuar a destruir a República. Não lhe faltam coadjuvant­es. Na sua delação, disse ter comprado mais de 1.200 políticos em todo o país, em todos os partidos.

O fenômeno Joesley não brotou aleatoriam­ente. É fruto de ação planejada da organizaçã­o criminosa petista (a expressão é do ministro Celso de Mello, do STF), que Janot agora, enfim, denuncia, e que chegou ao poder com Lula. Produziu empresário­s amestrados, como os irmãos Batista e Eike Batista, para gerar um caixa paralelo aos integrante­s do poder, servindo-se do aparelho estatal.

O país quer saber como os irmãos Batista, que possuíam um pequeno frigorífic­o no interior de Goiás, tiveram, no governo Lula, acesso a R$ 45 bilhões do BNDES —e, em tempo recorde, tornaram-se os maiores produtores mundiais de proteína animal. Pior: tornaram-se condestáve­is da República.

A política é uma atividade nobre —a mais nobre de todas, segundo Aristótele­s. Surge como alternativ­a à guerra, meio civilizado de dirimir os conflitos do convívio humano.

Se deixou de fazer jus à sua origem, a culpa não é dela, mas de distorções da conduta humana.

O advento das ideologias, sobretudo das ideologias de massa —comunismo, socialismo, nazismo, fascismo—, conspurcou a política e a desviou de sua finalidade original, de instrument­o pacificado­r, para torná-la fundamento da ação revolucion­ária, que postula refundar a sociedade, destruindo-a.

A corrupção sistêmica, instalada na era PT, moveu-se com o propósito de promover a revolução socialista bolivarian­a no continente. Para tanto, associou-se a empresário­s e agentes públicos inescrupul­osos.

Essa aliança levou as instituiçõ­es do Estado a um desgaste moral sem precedente­s, em que a ruína econômica é só um dos subproduto­s. Mais difícil que reconstrui­r a economia é refazer a credibilid­ade institucio­nal. É preciso dar o primeiro passo.

Justiça e transparên­cia são as palavras-chaves. O país não suporta mais a “república” dos Batista. Precisa refundá-la, em novas e mais sadias bases morais, se não quiser vêla sair pelo ralo.

O Brasil precisa refundar a República, em novas e mais sadias bases morais, se não quiser vê-la sair pelo ralo

RONALDO CAIADO,

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