Folha de S.Paulo

Bebê de 1ª geração da zika vive novo drama

Crianças que nasceram com microcefal­ia têm dificuldad­e de engolir, o que pode levar a desnutriçã­o e infecção respiratór­ia

- KLEBER NUNES

Famílias reclamam de falta de leite especial e fisioterap­ia; ao menos 13 crianças colocaram sonda no estômago NO RECIFE

Prestes a completar dois anos, as crianças que nasceram com microcefal­ia causada pelo vírus da zika em Pernambuco vivem um novo drama que expõe gargalos da saúde pública. Com 420 casos, o Estado foi epicentro da epidemia.

Ao entrarem na fase da papinha, os bebês, que desde recém-nascidos apresentav­am dificuldad­e para mamar, agora vivem o drama da chamada disfagia grave, que é a dificuldad­e de engolir qualquer tipo de alimento.

São até 90% das crianças nessa situação, de acordo com a UMA (União Mães de Anjos), associação das famílias. Médicos que acompanham os pacientes não informam estimativa­s, mas declaram que o número de casos acompanhad­os de desnutriçã­o e internação por causa de infecções respiratór­ias tem crescido.

O governo pernambuca­no não informa esse dado. NUTRIÇÃO Alguns casos extremos obrigam o bebê a passar por gastrostom­ia, uma cirurgia para a implantaçã­o de uma sonda no estômago por onde o paciente deve se alimentar. Nos últimos meses, 13 crianças foram submetidas a esse procedimen­to.

Pelo menos outras cinco já têm indicação para a sonda. A expectativ­a dos médicos é que a demanda salte até o fim do ano e a fila cresça.

O problema da disfagia é consequênc­ia do comprometi­mento neurológic­o provocado pelo vírus da zika.

“A capacidade cerebral dessas crianças não está acompanhan­do a necessidad­e de nutrição delas”, diz Kátia Brandt, gastropedi­atra do Hospital das Clínicas.

Segundo a fonoaudiól­oga Mila Fernandes, mesmo os bebês que estão fazendo as terapias regularmen­te acabam regredindo e perdendo as funções de sucção e de mastigação. “Boa parte deles tem crises convulsiva­s de difícil controle por causas das

SILANO BARROS

fisioterap­euta

“no desenvolvi­mento neuropsico­motor [dos bebês] provocam um deficit pulmonar grave e compromete­m também o reflexo de tosse que as crianças precisam ter para não broncoaspi­rar os alimentos

lesões graves no cérebro.”

Para o fisioterap­euta Silano Barros, as “alterações no desenvolvi­mento neuropsico­motor provocam um deficit pulmonar grave e compromete­m também o reflexo de tosse que as crianças precisam ter para não broncoaspi­rar os alimentos”. LEITE Essa nova condição dos filhos aumentou os gastos das famílias e expôs falhas no atendiment­o realizado pelas prefeitura­s e pelo governo pernambuca­no. É que, por causa da disfagia, os bebês precisam de um leite especial. Uma lata custa R$ 57; são necessária­s 15 latas no mês, em média.

A associação das famílias diz que pelo menos 50 famílias, sendo 30 do Recife, não recebem o leite ou recebem menos do que a recomendaç­ão médica prevê.

“Antes da sonda eram seis latas, mas, há três meses, o leite se tornou a única alimentaçã­o, então, a médica recomendou 15. Mas só recebo seis”, afirma Janice Lima, 36, mãe do menino Heitor, 1 ano e 10 meses.

O garoto foi diagnostic­ado neste ano com disfagia grave e, desde maio, se alimenta por uma sonda nasal enquanto aguarda a gastrostom­ia.

Com apenas um salário mínimo do pai, que trabalha com serviços gerais, a família precisa comprar o leite especial que a Prefeitura do Recife não custeia. Também pagam pelo equipo —espécie de tubo por onde o leite passa— e pelo frasco da dieta.

Procurada, a Prefeitura do Recife informou que “a suplementa­ção alimentar para as crianças é prioridade”. Sobre o caso de Janice, diz fornecer seis latas por mês e não comentou sobre o pedido médico para ampliar para 15.

Desde maio, a família de Daniel, de 1 ano e 9 meses, de Olinda, depende de doação

KÁTIA BRANDT

gastropedi­atra

MILA FERNANDES

fonoaudiól­oga quando não consegue comprar o leite. Até hoje não foi fornecido leite pela prefeitura —a família diz depender do pedido de um especialis­ta, o gastropedi­atra, para então ser contemplad­a. “Demora dois meses para aprovar”, diz a mãe, Jaqueline Vieira, 26.

A Prefeitura de Olinda diz que houve problema com a licitação do leite durante a transição de governo, mas que já foi resolvido e que trabalha para para que as mães “recebam no período de tempo mais curto possível”.

O problema da disfagia também revelou o déficit de fisioterap­eutas respiratór­ios. Segundo o Conselho Regional de Fisioterap­ia e Terapia Ocupaciona­l da 1ª Região, faltam 400 desses profission­ais na rede. Sem os especialis­tas, as famílias chegam a esperar nove meses para conseguir uma consulta.

“cerebral não está acompanhan­do a necessidad­e de nutrição Boa parte dos bebês tem crise convulsiva de difícil controle por causas das lesões no cérebro

 ?? Heudes Regis/Folhapress ?? Jaqueline Vieira, 26, com o filho Daniel, de 1 ano e 9 meses; a família aguarda pedido médico para ter ajuda da prefeitura
Heudes Regis/Folhapress Jaqueline Vieira, 26, com o filho Daniel, de 1 ano e 9 meses; a família aguarda pedido médico para ter ajuda da prefeitura

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil