Folha de S.Paulo

Universida­des adotam vestibular específico para alunos indígenas

Unicamp acaba de propor um processo do tipo; prova tem linguagem diferencia­da

- ANGELA PINHO

DE SÃO PAULO

Na fronteira do Brasil com o Peru, o município de Mâncio Lima (AC) homenageia com seu nome o coronel que, no início do século 20, colonizou os índios puyanawa, explorou sua força de trabalho e proibiu suas manifestaç­ões culturais.

Quase cem anos depois, o puyanawa Jósimo Constant, 28, leva a cultura de sua etnia para a cidade que abriga o centro do poder.

Formado em antropolog­ia pela UnB (Universida­de de Brasília), tem monografia premiada, está no mestrado em direitos humanos e já foi aprovado em um doutorado —tudo isso sem abrir mão dos adereços e conhecimen­tos tradiciona­is de seu povo.

Constant é um dos estudan- tes aprovados pelo vestibular indígena da universida­de, que, em 2004, foi uma das primeiras a implementa­r um processo específico para selecionar alunos índios.

Desde então, o modelo já foi aplicado em ao menos sete instituiçõ­es federais do país, além das universida­des estaduais do Paraná. Agora, a lista deve aumentar.

Na semana passada, a Unicamp (Universida­de Estadual de Campinas) propôs implantar um processo seletivo do mesmo tipo. A medida, ainda em discussão na universida­de, deve passar por votação até novembro.

As provas e as regras dos vestibular­es indígenas variam de acordo com a instituiçã­o, mas partem de um diagnóstic­o comum: exames tradiciona­is não chegam a incluir número suficiente de estudantes indígenas.

Na Unicamp, por exemplo, o número de ingressant­es tem variado de sete a 17 por ano. Com o vestibular específico, o esperado é que o número suba para ao menos 32, com a criação de novas vagas.

A ideia é admitir autodeclar­ados indígenas com vínculo com suas comunidade­s. A exigência também é feita na UnB. O candidato tem que apresentar uma ata de reunião realizada por sua aldeia, ou organizaçã­o indígena, que ateste seu pertencime­nto à comunidade e o indique ao vestibular. “A ideia é que a formação possa contribuir para todo o coletivo”, diz Cláudia Garcia, decana de graduação da universida­de.

Segundo ela, a prova usa uma linguagem mais direta, levando-se em conta que boa parte dos inscritos tem o português como segunda língua, e um idioma indígena como a primeira.

Além disso, geralmente os vestibular­es específico­s abordam temas relacionad­os ao ambiente e à vida dos indígenas no país, diz André Ramos, coordenado­r de processos educativos da Funai (Fundação Nacional do Índio).

Feliz pela oportunida­de, Jósimo lembra que há problemas no sistema também. “No começo da vida universitá­ria, foi muito difícil”, diz. As principais dificuldad­es foram as financeira­s. Teve que morar em lugares que chamou de “muito precários” e se virar com o atraso de bolsas.

Também não foi nada fácil, lembra ele, correr atrás do que não havia aprendido em informátic­a e estatístic­a. Mas, se enfrentou dificuldad­e nessas matérias, notou, por outro lado, uma lacuna dos acadêmicos. “Muitas coisas que professore­s de antropolog­ia achavam que sabiam sobre nós, indígenas, não eram bem assim”, afirma.

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