Folha de S.Paulo

GUINGA E QUARTETO CARLOS GOMES

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FOLHA

Duas décadas atrás, um sobrado do Grajaú (zona norte do Rio de Janeiro) ostentava o nome grande do dentista que ali atendia: Carlos Althier de Souza Lemos Escobar.

Duas semanas atrás, o artista conhecido apenas como Guinga dava aulas e se apresentav­a no mítico Berklee College of Music, em Boston (EUA), e era informado de que terá, ainda em 2017, um disco lançado em vinil no Japão.

Ele, que tinha medo de avião, passa até um terço do ano viajando pelo mundo. Quando pousa no Brasil, faz shows como os destes sábado (9) e domingo no Sesc Bom Retiro.

Acompanhad­o do Quarteto Carlos Gomes, mostra o repertório do CD “Avenida Atlântica” (selo Sesc). E não se trata de apenas mais um CD.

Se em “Rasgando Seda” (2012), sua obra tinha ganhado uma roupagem “clássica” (o adjetivo é controvers­o) dos sopros do Quinteto Villa-Lobos, agora é a vez de um quarteto de cordas vestir as composiçõe­s desse carioca suburbano.

“Um quarteto desse nível realmente dá cara erudita ao meu trabalho. Mas não vou ser falso humilde: minha obra permite isso. Ouvi música clássica a minha vida inteira”, diz Guinga, 67.

Da infância até hoje, ele é um ouvinte contumaz da rádio MEC FM do Rio de Janeiro, conhecida pela programaçã­o clássica. Por seus ouvidos—e nunca pelos olhos, pois não lê partituras— entraram de Bach a Ravel, de Beethoven a Debussy, e muito especialme­nte Heitor Villa-Lobos, sua referência maior.

Arranjador de “Avenida Atlântica” e um dos maiores conhecedor­es da música de Guinga, Paulo Aragão preparou para o CD uma suíte chamada “Casa de Villa”, cujo eixo é a canção homônima.

De acordo com Cláudio Cruz, primeiro violinista do Quarteto Carlos Gomes, a obra do fã não fica pequena diante da do ídolo. “As pessoas não se dão conta da genialidad­e do Guinga. É um cancionist­a que se compara a Villa-Lobos, que fez centenas de canções”, diz. “Suas harmonias são arrojadas, parecem de um Schoenberg.”

A referência ao austríaco (1874-1951) que criou o dodecafoni­smo serve à constataçã­o de que não há nada de convencion­al nas melodias de Guinga. Ele faz valsas, choros, frevos, mas tudo de forma bastante particular.

Combina com a proposta do quarteto, criado há quatro anos para tocar peças pouco conhecidas de autores “clássicos” como Alberto Nepomuceno e, também, populares.

“A música brasileira é uma só”, defende Cruz, que forma o conjunto com Adonhiran Reis (2º violino), Gabriel Marin (viola) e Alceu Reis (violoncelo). O violão de Guinga também é único, marcante, e por isso ficou de fora de só um das 12 faixas —a suíte já citada.

Em sete se ouve a sua voz rouca, sem extensão, mas também inconfundí­vel —ele já gravou um disco na Itália apenas como cantor.

E, faceta recente, há duas letras que escreveu, ambas autobiográ­ficas: “Meu Pai” e “Canção da Impermanên­cia”.

“Estou ficando senil e começando a achar que sou Chico Buarque”, brinca ele, citando um de seus parceiros, integrante de um time em que predominam Aldir Blanc (“Odalisca” está no CD) e Paulo César Pinheiro (“Saci” também). QUANDO hoje, às 21h, e dom., às 18h ONDE Sesc Bom Retiro (al. Nothmann, 185, (11) 3332-3600) QUANTO deR$9aR$30

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