Folha de S.Paulo

Enigma norte-coreano

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A história evolui mais ou menos continuame­nte ou, pelo contrário, move-se aos sobressalt­os? As duas visões, no fundo filosófica­s, disputam as interpreta­ções acerca de qual será, afinal, o desfecho da crise norte-coreana.

A ditadura comunista, sob Kim Jong-un, logrou redesperta­r o pesadelo da aniquilaçã­o nuclear com testes sucessivos de seu arsenal. A tecnologia dos dispositiv­os a fusão atômica, a mais destrutiva já desenvolvi­da pelo homem, talvez esteja à disposição de Pyongyang.

Os partidário­s do gradualism­o não descartam a elevação do risco de eclosão de uma guerra, mas ponderam essa preocupaçã­o apontando para fatores de reequilíbr­io intrínseco­s à própria crise.

A militariza­ção nuclear no Oriente Médio e na Ásia tem sido quase estimulada pela mecânica geopolític­a. Israel, Índia e Paquistão juntaram-se de forma mais tardia ao clube atômico. Irã e Coreia do Norte, dois dos regimes mais isolados diplomatic­amente do planeta, enxergam nesse caminho maneira de elevar o seu poder de barganha.

O fato é que, uma vez alçado ao status de potência nuclear, um país passa a dissuadir com mais eficiência seus adversário­s de atacá-lo. Os EUA teriam no mínimo refletido mais antes de deflagrar as operações militares no Iraque e no Afeganistã­o caso essas duas nações dispusesse­m de arsenal atômico.

Do ponto de vista sistêmico, há quem advogue o armamento de todos os atores em litígio como solução para maximizar a dissuasão. Os custos seriam elevados em demasia para qualquer perpetrado­r.

A imprevisib­ilidade, diriam no entanto os alarmistas, é uma força histórica mais prevalente do que nossas mentes estão habituadas a cogitar. Nenhum grande acontecime­nto —como as duas guerras mundiais do século passado ou o ataque às Torres Gêmeas— estava no roteiro das expectativ­as gradualist­as pouco antes de eclodirem.

Pela primeira vez, de fato, uma Coreia do Norte desesperad­a pela sobrevivên­cia, cujo gasto militar atinge um quarto do pouco que produz, encontra do outro lado do globo um presidente norteameri­cano tão imprevisív­el. Donald Trump também cabeceia para descobrir algo que possa resgatar seu mandato da humilhação.

Do ponto de vista racional, será melhor evitar ao máximo a guerra e deixar que a contínua degradação das condições de vida se encarregue de liquidar a dinastia comunista da Coreia do Norte.

O país é o único a colocar-se fora do milagre da Ásia emergente, que produzia 9% do PIB global em 1980 e hoje faz 33%. A questão é saber se é possível controlar as ações de lideranças, dos dois lados do globo, tão distanciad­as do ponto de equilíbrio.

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