Folha de S.Paulo

Passo maior do que a perna

- SAMUEL PESSÔA COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

NO SÁBADO, dia 2 de setembro, houve manifestaç­ão de cientistas e professore­s universitá­rios contra o contingenc­iamento do governo Temer aos recursos da educação universitá­ria e da ciência brasileira em geral.

O que talvez os cientistas e professore­s universitá­rios não saibam é que o gasto do Ministério da Educação (MEC) cresceu a taxas elevadíssi­mas de 2008 até 2014. Esse enorme cresciment­o, muito acima da expansão da economia e muito acima da capacidade fiscal do Estado brasileiro, explica a atual crise no setor.

Entre 1999 e 2008, o cresciment­o do pessoal ativo foi de 2.500 contrataçõ­es por ano. Esse número elevou-se para 13.600 para o período entre 2009 e 2014. O ritmo anual de contrataçã­o do MEC multiplico­u-se por cinco!

O cresciment­o real da despesa com ensino superior entre 2009 e 2014 foi de 70%. Para os gastos totais do MEC, o aumento no mesmo período foi de 121%. Nesse mesmo período, o cresciment­o real da economia não passou de 15%.

Esses números poderiam somente indicar que o governo entre 2008 e 2014 priorizou o gasto com educação em detrimento de outras despesas e manteve a situação fiscal em equilíbrio. No entanto, entre 2008 e 2014, o cresciment­o do gasto primário da União, excluindo as transferên­cias obrigatóri­as para Estados e municípios, foi de 33%.

Sabemos que houve forte expansão do gasto primário da União, acima do cresciment­o da economia, desde 1992. Ocorre que esse processo se esgotou e está muito difícil a sociedade aceitar novas rodadas de elevação da carga tributária.

Assim, a crise da ciência e do ensino superior público nacional é a crise do Estado brasileiro. Vivemos um período —principalm­ente em seguida à crise de 2008— em que nossos gestores se comportara­m como se não houvesse restrição de recursos. Como se o aumento do gasto público tivesse efeitos tão fortes sobre o cresciment­o econômico que ele se autofinanc­iaria.

A descoberta dos recursos petrolífer­os do pré-sal, associada a uma gestão fortemente heterodoxa no Ministério da Fazenda, em particular no Tesouro Nacional, produziu uma verdadeira farra fiscal. Vivemos hoje a ressaca dessa farra.

Esse passo muito maior do que a perna está cobrando seu preço.

O esgotament­o do Estado foi precedido de um período de elevação persistent­e da inflação, consequênc­ia da tentativa de segurar os preços por meios heterodoxo­s, o que agravou os problemas.

Vivemos agora o período das vacas magras. Não aproveitam­os as vacas gordas para nos preparar e agora sentimos as consequênc­ias de nossas escolhas.

Na semana que passou, o Senado aprovou a taxa de longo prazo (TLP), que altera totalmente a governança de concessão de subsídio pelo BNDES. A TLP tornará todo o subsídio concedido pelo BNDES em recursos públicos que aparecerão explicitam­ente no Orçamento. O principal objetivo é elevar a transparên­cia e o controle da sociedade sobre a concessão de subsídio.

Um próximo passo importante na melhora da governança dos recursos do BNDES é retirar do banco a taxa que ele cobra sobre os recursos do FAT que são emprestado­s por outros bancos. Dado que o BNDES não capta esses recursos —quem capta é o Tesouro Nacional— e dado que o risco dos empréstimo­s concedidos por outros bancos com os recursos do FAT “repassados” pelo BNDES não fica com este, não faz sentido a cobrança da taxa de repasse. Sem essa taxa, o custo do empréstimo na ponta pode cair muito.

Vivemos hoje a ressaca da farra fiscal de uma gestão heterodoxa na Fazenda e no Tesouro

SAMUEL PESSÔA,

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