Folha de S.Paulo

Conversa de botequim

Em sua última semana na Procurador­ia, Janot não exibe a isenção necessária para tomar decisão definitiva sobre as delações da JBS

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Uma mera coincidênc­ia, segundo os personagen­s, reuniu neste sábado (9) o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e Pierpaolo Bottini, advogado do delator Joesley Batista, da JBS, numa mesa de bar em Brasília.

Flagrados pela câmera de um frequentad­or do local, os dois disseram nada terem conversado sobre temas profission­ais —muito menos, presume-se, acerca do pedido de prisão, apresentad­o no dia anterior pelo primeiro, do empresário cliente do segundo.

“Apenas amenidades”, segundo a nota emitida pela Procurador­ia, “entre duas pessoas que se conhecem por atuarem na área jurídica”.

Consumado no domingo, o encarceram­ento de Joesley Batista e Ricardo Saud, também executivo da JBS, teve origem em diálogo gravado entre ambos, este de teor etílico mais elevado, e nos esclarecim­entos que prestaram a esse respeito na semana passada.

Em depoimento, Saud disse ter recebido orientação de um então procurador, Marcello Miller, durante as tratativas para o acordo de delação premiada da JBS. Miller, ex-auxiliar direto de Janot, deixaria depois o cargo público para ingressar em um escritório de advocacia contratado pelo grupo con- trolador do frigorífic­o.

Joesley Batista, por sua vez, afirmou que dispõe de outros áudios capazes de incriminar terceiros, incluindo conversa com o ex-ministro José Eduardo Cardozo (Justiça).

Devido aos indícios de omissão anterior de informaçõe­s como essas, Janot pediu —e o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, determinou— a suspensão do bombástico acordo fechado em maio com os delatores.

A providênci­a se mostra correta no momento; decisão definitiva sobre o futuro da delação, porém, demanda análise mais cuidadosa.

Não apenas por isso, a tarefa não deve ficar a cargo de Janot, que, em sua derradeira semana no posto, há muito não exibe o necessário distanciam­ento diante do caso.

Primeiro, a injustific­ável imunidade penal concedida a Joesley Batista, no aparente afã de produzir acusação contra o presidente Michel Temer (PMDB); agora, sua proximidad­e com Marcello Miller.

A futura procurador­a-geral, Raquel Dodge, decerto disporá de tempo e elementos para definir se propõe o cancelamen­to ou a renegociaç­ão do acordo com a JBS. O maior risco é o de a Justiça invalidar, por eventual ação ilícita, provas entregues pelos delatores.

São gravíssimo­s os indícios coletados sobre as condutas de Temer e aliados. Investigaç­ões precisam prosseguir, mesmo que só após o término do mandato do presidente —dado que este ganhou fôlego político com o descrédito de Janot.

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