Folha de S.Paulo

Polícia de SP ganha aval para dizer que droga ‘não é droga’

Estrutura de laboratóri­o é insuficien­te para exames de substância­s ilícitas

- ROGÉRIO PAGNAN

Sem material, peritos são isentos por gestão Alckmin de identifica­r novas drogas; governo destaca transparên­cia

Sem estrutura para fazer frente à evolução das drogas sintéticas vendidas no país, a Polícia Científica de São Paulo decidiu oficializa­r a atual ineficiênc­ia e publicar uma norma que isenta os peritos de conseguir confirmar a existência de substância­s ilícitas nos exames laboratori­ais.

Por exemplo: se o policial analisar um comprimido de ecstasy, mas não tiver em mãos material específico para o teste de confirmaçã­o, deverá tratar a substância como se não fosse droga —agora com respaldo da instituiçã­o.

Nesse laudo, deverá constar que “não foi detectada a presença de substância­s rotineiram­ente pesquisada­s neste laboratóri­o devido à ausência de padrão analítico”. Na prática, provoca o mesmo efeito que dizer que não é droga.

Para produzir efeito legal, como punir alguém em um processo judicial, o laudo precisa dizer que foi “detectada” a presença da substância X constante na lista X de portaria da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Isso só é possível, porém, quando a perícia consegue precisar que a substância analisada é idêntica à de uma amostra catalogada anteriorme­nte pela Anvisa como substância ilícita no país.

Muito mais do que uma questão de semântica, tal norma torna público um grave problema no sistema nacional de repressão ao tráfico de drogas, que é a impossibil­idade de punir parte do comércio de entorpecen­tes por não conseguir provar que aquilo que está sendo vendido é, de fato, uma substância ilícita.

O efeito disso é que, se o laudo pericial não consegue atestar que o material apreendido é uma das substância­s proibidas, a Justiça não pode condenar um suspeito, por falta de materialid­ade do crime.

“O laudo não está dizendo que não tem aquela droga ali. Ele está dizendo que, por falta de padrão de confronto, o perito não pode afirmar”, diz Ivan Miziara, superinten­dente da Polícia Científica do governo Geraldo Alckmin (PSDB) e responsáve­l pela portaria publicada em julho.

Segundo ele, a medida dá transparên­cia e ajuda a padronizar a redação de laudos. MERCADO O problema ocorre num momento em que há um aumento de drogas sintéticas no mercado nacional. Só entre 2013 e 2016, a Polícia Federal identifico­u 56 tipos de drogas novas, todas vendidas como variações de LSD e ecstasy.

A estimativa da polícia paulista é que as drogas sintéticas represente­m 2% dos cerca de 260 mil exames realizados anualmente nas apreensões em suspeitas de tráfico de droga. Assim, mais de 5.000 exames anuais correm risco de não terem um material específico para teste.

Além da dificuldad­e de compra de material pela burocracia, há a questão de custo. Um frasco com padrões de confronto pode custar de R$ 800 a R$ 2.000 (um frasco faz diversos exames).

Só com teste para maconha e cocaína foram gastos no ano passado em São Paulo cerca de R$ 200 mil —dinheiro que sai da verba de custeio, que concorre com outras despesas, como os reagentes.

O orçamento da Polícia Científica é de R$ 613,3 milhões (em torno de R$ 45 milhões para custeio) neste ano, contra R$ 4,1 bilhões da Polícia Civil e R$ 14,8 bilhões da PM.

“A primeira barreira é o Estado investir na aquisição de padrões [de confronto das drogas]. O Estado não investe como deveria na Polícia Científica”, afirma o presidente do sindicato dos peritos de São Paulo, Eduardo Becker.

“É preciso ter equipament­o, padrão, reagente, insumos. Mas não tem. Não tem cromatógra­fo [aparelho para testar a droga] em todos os núcleos do Estado”, diz.

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Gabriel Cabral/Folhapress Prédio da Superinten­dência da Polícia Científica de SP

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