Folha de S.Paulo

Apostas de risco

Bolsa brasileira bate recorde em valor nominal de ações, a despeito da situação trágica das contas do governo federal e do cenário político volátil

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No primeiro semestre de 2008, a economia brasileira vivia sua conjuntura mais virtuosa desde o restabelec­imento da democracia. Em 20 de maio daquele ano, a Bolsa de Valores registrou recorde, em valor nominal das ações negociadas, só batido mais de nove anos depois —nesta semana.

Dificilmen­te seria possível imaginar um contraste tão intenso entre dois momentos separados por menos de uma década.

No primeiro, o país crescia à taxa de 6% ao ano, com inflação sob controle; a escalada da arrecadaçã­o equilibrav­a as contas do governo, e a dívida pública havia caído abaixo do patamar de 60% do PIB.

Mesmo na ausência de reformas necessária­s, como a da Previdênci­a, obtinha-se o almejado grau de investimen­to seguro conferido por agências internacio­nais.

Agora, um improvável otimismo, de bases frágeis, embala o mercado acionário. O valor das companhias listadas na Bolsa superou os R$ 3 trilhões —o que ainda está longe dos patamares de 2008, se considerad­a a inflação. Mas, dados os riscos que cercam a economia nacional, a marca não deixa de ser surpreende­nte.

Como de praxe em tais circunstân­cias, buscam-se a cada dia razões para a melhora de humores. Estas não estarão relacionad­as, decerto, a progressos no controle do rombo do Orçamento federal, principal causa da recessão que assolou o país por quase três anos.

Pelo contrário: o tímido avanço do PIB ainda não sustou a queda das receitas do governo, e a dívida pública, em elevação contínua, ruma à casa dos 80% do PIB, talvez já no próximo ano.

Aponta-se que a queda da inflação e dos juros possibilit­ou projeções menos desanimado­ras de cresciment­o —que, no entanto, mal chegam aos 2,5% em 2018.

De mais sólido, há o cenário internacio­nal novamente favorável, no qual as principais potências (EUA, Europa, China, Japão) estão em cresciment­o simultâneo, a impulsiona­r fluxo expressivo de investimen­to estrangeir­o no Brasil.

Não se despreze, por fim, a hipótese de que a percepção de fortalecim­ento do presidente Michel Temer (PMDB) dê alento aos negócios, especulati­vos que sejam.

A despeito da gravidade das suspeitas que se acumulam contra o mandatário, dá-se como provável sua permanênci­a no cargo, o que eleva a chance de aprovação de mais reformas. A oposição de esquerda, por sua vez, sofre o baque da recente debilitaçã­o de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Mesmo raciocínio­s puramente pragmático­s como esses não passam, todavia, de apostas de alto risco. O atual panorama político, afinal, é tão volátil quanto a Bolsa.

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