Folha de S.Paulo

Argumento de que índio de iPhone não é índio é bobagem

HERDEIRO DO LEGADO DOS IRMÃOS VILLAS BÔAS, ADVOGADO AFIRMA QUE ELES SE FRUSTRARIA­M COM PROBLEMAS ATUAIS E CRITICA TEMER E PT

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entrada do Xingu, uma placa de indicação de terra indígena que você mal consegue ler, de tanto buraco de bala.

O fato é que, sobretudo nas regiões Centro-Oeste e Norte, áreas onde há uma cobertura menor da mídia, disputas de terra e atos de violência acontecem constantem­ente, mas só ganham espaço quando ocorre uma tragédia. Como vê o fato de Michel Temer apoiar o “marco temporal” [tese segundo a qual os índios não podem reivindica­r áreas que não estavam ocupadas no momento da promulgaçã­o da Constituiç­ão de 1988]?

Essa é a carta que todos lançam com relação à demarcação de terra, é a primeira [argumentaç­ão] a ser levantada. Está havendo aceleração nas pautas contra direitos indígenas no atual governo?

Sim, intensamen­te, sobretudo de alguns meses para cá. Por conta do jogo político com o Congresso, o governo tem cedido mais [aos interesses contrários aos indígenas]. Como ele [Temer] precisa de apoio na Câmara, propostas que antes estavam paradas agora começam a se efetivar, estão no momento ideal para serem colocadas em prática. Como avalia o papel da Funai?

A Funai está bastante fraca. Mas já vinha nos governos Dilma e Lula. O que ouvi de sertanista­s e indigenist­as de uma leva antiga da Funai é que a fundação e a política indigenist­a nunca sofreram tanto quanto a partir do governo Lula. Era

Eu não vejo como isso pode melhorar até o fim deste governo. E quem está na Funai, com quem eu converso, também vê dessa forma. Acredita que a pauta indígena será discutida pelos candidatos na eleição presidenci­al?

Não sei, mas deveria. Estamos falando de uma questão que envolve quase 1 milhão de pessoas. Todos os ganhos na área foram suados. E agora a gente vê esse desmonte. Há preconceit­o com a questão?

Sempre teve. O argumento mais raso é aquele de “índio com iPhone, como é que é índio?”. Que bobagem é essa? Qual é a lógica desse argumento? Por que não podem ter as coisas que pertencem à nossa sociedade? O que isso interfere na identidade deles? Por quê?

São elementos de fora da cultura deles que eles fazem uso. E aliás utilizam muito melhor do que a gente, porque usam o WhatsApp para se organizar para reuniões, para tratar de coisas políticas, do que sai na internet. E para amenidades também, como nós. Mas o índio continua vivendo na própria cultura, tendo a sua crença, na sua estrutura social, que é tribal, fazendo as suas festas religiosas e seus rituais, sobreviven­do daquilo que ele planta e coleta. No que isso interferiu na identidade dele enquanto indígena, o fato de ele possuir um aparelho eletrônico? Em absolutame­nte nada. Existem interferên­cias externas muito mais danosas para as tribos, como tentar catequizá-las, evangelizá-las.

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