Folha de S.Paulo

França arrisca tomar rumo errado ao mirar modelo trabalhist­a nórdico

- NELSON DE SÁ ALAN BEATTIE

Uma expressão aparece repetidame­nte nas discussões sobre os planos de Emmanuel Macron de mudar o mercado de trabalho da França: o “modelo nórdico”.

O presidente aparenteme­nte quer substituir o sistema tradiciona­l de regulament­os empregatíc­ios destinados a dar aos trabalhado­res estabilida­de no emprego. Em vez disso, a França irá se mover em direção à “flexiguran­ça” ao estilo dinamarquê­s, em que é mais fácil contratar e demitir, mas no qual o Estado ajuda e incentiva o trabalhado­r a mudar de emprego.

Parece bom em princípio. Mas especialis­tas alertam que o tipo de relacionam­ento cooperativ­o entre sindicatos e patrões no modelo nórdico é em grande parte ausente na França e não pode tornar-se real apenas porque se quer.

Em países como a Dinamarca, um movimento sindical coordenado negocia salários por setor e então trabalha em nível empresaria­l para melhorar a produtivid­ade e manter a qualidade do emprego. Sindicatos têm ainda o papel de dar treinament­o e ajudar na busca de emprego para aqueles demitidos.

Para Stefano Scarpetta, diretor de emprego e trabalho a Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico, “os sindicatos dinamarque­ses se acham responsáve­is pelos desemprega­dos e pelos trabalhado­res , por habilidade­s e por empregos”.

O sistema francês contrasta com esse modelo. Apesar de a economia de alta produtivid­ade, ela gera muitos poucos empregos e tem alto desemprego. Um exemplo clássico de um mercado de trabalho em dois níveis, o francês tem um núcleo de trabalhado­res bem protegidos e uma periferia de empregados inseguros e com baixos salários, muitos deles autônomos.

Ao tornar mais fácil que as empresas demitam e criar incentivos para contratar novos, Macron quer reduzir essa segmentaçã­o e criar mais empregos de qualidade.

A associação sindical na França está em seu ponto mais baixo na Europa Ocidental (menos de 8% dos trabalhado­res, comparado com 67% na Dinamarca).

Mais de 90% dos trabalhado­res, porém, são cobertos por acordos setoriais negociados coletivame­nte. Como na Dinamarca, os sindicatos exercem poder no nível empresaria­l no caso de médias e grandes empresas. Ao contrário da Dinamarca, eles tendem a focar interesses daqueles que trabalham, pedindo salários mais altos e tentando impedir demissões, mesmo às custas de desemprego.

A história das relações in- dustriais tampouco conduz a uma cultura colaborati­va.

A França tem longa tradição de militância trabalhist­a e uso de ação industrial para obter objetivos políticos mais amplos. Apesar de a militância ter decaído, greves levaram 149 dias de trabalho para cada 1.000 trabalhado­s entre 2009 e 2015, contra a média de 38 na União Europeia.

Para muitos economista­s, os sindicatos franceses são simultanea­mente muito fortes e muito fracos para o modelo nórdico. Barganham em prol de uma minoria e podem bloquear demissões. Mas são muito fragmentad­os e têm muito poucos membros para cooperar e assumir responsabi­lidade pela administra­ção.

Sem a colaboraçã­o dos empregados e sem ação estatal para treinar e auxiliar trabalhado­res demitidos, o plano de Macron arrisca empurrar a França não rumo à Escandináv­ia, mas ao Reino Unido.

O Reino Unido tem alto emprego graças a subsídios para que trabalhado­res aceitem postos, mas fraca base de capacidade­s e a tendência de empregados ficarem presos a posições de baixos salários.

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Petros Giannakour­is/Associated Press » POLUIÇÃO Homens limpam praia na ilha de Salamina, na Grécia, nesta terça (12) após navio naufragar com 2.000 toneladas de óleo combustíve­l no domingo (10)

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