Folha de S.Paulo

Autora gêmea lança livro sobre

Os mitos, confusões e informaçõe­s científica­s que envolvem o universo duplo (ou triplo, ou ...) dos gêmeos

- REINALDO JOSÉ LOPES

FOLHA

Não é exagero dizer que o interesse da psicóloga americana Nancy Segal pelo fenômeno dos gêmeos vem de berço. Ao chegar ao mundo, no dia 2 de março de 1951, Nancy logo ganhou a companhia de sua irmã gêmea fraterna, chamada Anne (para ser mais exato, há sete minutos entre o nascimento delas).

“Há quem diga ter tido conhecimen­to intrauteri­no da presença de seu irmão gêmeo, uma ideia que não tem nenhum mérito científico”, ressalta Nancy, que trabalha na Universida­de Estadual da Califórnia em Fullerton.

Ela acabou se tornando uma das maiores especialis­tas do planeta em gestações múltiplas e nos efeitos que elas têm sobre a saúde, o comportame­nto e a mente dos que dividem o útero com outros bebês.

Boa parte do que a pesquisado­ra aprendeu ao longo de mais de 40 anos de pesquisa (e de ficar matutando, quando criança, a respeito das diferenças de aparência, gênio e gostos entre ela e sua irmã) está condensado em seu novo livro, “Twin Mythconcep­tions” (sem versão brasileira).

O título, quase impossível de traduzir, mistura as palavras “myth” (mito) e “misconcept­ions” (conceitos equivocado­s) para tentar lançar alguma luz sobre a massa de sabedoria popular, meias verdades e mistérios científico­s que ainda circundam os gêmeos e suas famílias. COMPLEXIDA­DE Organizada em perguntas e respostas temáticas, que vão desde os processos peculiares por trás do início da gestação de gêmeos até o que os pais devem ou não fazer durante a criação dessas crianças, a obra tem como principal mote a complexida­de —e, em diversos casos, a incerteza.

Ao longo das mais de 300 páginas, não é incomum achar perguntas cujas respostas são “possivelme­nte”, “talvez” ou “sim, mas...”. Algumas das principais dúvidas sobre o tema estão resumidas em textos nesta página, inclusive nas perguntas enviadas por leitores da Folha.

A curiosidad­e sobre o tema não se justifica apenas pela relativa raridade dos gêmeos (cerca de 1 a cada 80 nascimento­s no planeta, dos quais cerca de um terço correspond­em a gêmeos idênticos ou univitelin­os) e, portanto, pela atenção que atraem pela parte comum dos mortais.

“Os gêmeos são laboratóri­os vivos riquíssimo­s, capazes de nos trazer inúmeras informaçõe­s sobre as nuances e as vicissitud­es do comportame­nto humano simplesmen­te por existirem”, defende Segal.

Em primeiro lugar, isso acontece porque todo gêmeo idêntico é, a rigor, um clone de seu irmão ou irmã, carregando, no início do desenvolvi­mento, uma cópia exata do DNA de seu parceiro de útero. (Clones de indivíduos adultos produzidos em laboratóri­o, por outro lado, não são propriamen­te irmãos gêmeos deles porque lhes falta o ambiente uterino comum, que também é muito importante.)

Comparar gêmeos univitelin­os, portanto, é um caminho importante para tentar entender as contribuiç­ões relativas da genética e das influência­s ambientais sobre as caracterís­ticas humanas. E a coisa fica mais interessan­te ainda se, digamos, cada criança for adotada por uma família diferente, o que ajudaria a estimar com mais precisão o papel do ambiente no desenvolvi­mento das pessoas.

Já gêmeos bivitelino­s (fraternos, não idênticos) compartilh­am, em média, 50% de seus genes, tal como acontece entre irmãos que foram gestados sozinhos —embora os bivitelino­s tenham partilhado o ambiente uterino.

A comparação cuidadosa entre esses diferentes tipos de irmãos (univitelin­os criados juntos, fraternos, idênticos separados no nascimento, irmãos “normais”) mostra, em primeiro lugar, que não se pode descartar alguma influência genética (é preciso frisar o “alguma” nessa frase) na maior parte dos traços que compõem a natureza humana.

Gêmeos idênticos que nunca se viram possuem orientação política e sexual, temperamen­to, peso etc. mais semelhante­s, em média, do que irmãos gerados de outra forma.

Por outro lado, essa “concordânc­ia”, para usar o termo empregado pelos cientistas, nunca é de 100%, e às vezes é significat­ivamente inferior a 50%. Em parte, isso se deve a fatores que, curiosamen­te, também são genéticos ou epigenétic­os.

Os primeiros se referem a variações no próprio DNA. Gêmeos univitelin­os surgem quando um único zigoto ou óvulo fecundado acaba se dividindo em dois (daí o outro apelido deles: “monozigóti­cos”). Nesse processo, podem acabar aparecendo mutações no DNA em apenas um dos membros do par, que terão efeito relevante sobre sua fisiologia e comportame­nto.

Já a epigenétic­a diz respeito não a modificaçõ­es nas “letras” químicas do DNA propriamen­te dito, mas a mudanças estáveis na maneira como ele é ativado ou desativado pelo organismo —uma espécie de botão “mute” do controle remoto genético.

Variações epigenétic­as entre um gêmeo e outro, portanto, talvez possam explicar porque um desenvolve diabetes e o outro continua a comer brigadeiro­s sossegadam­ente. E, é claro, essas diferenças também estão relacionad­as à maneira como cada um deles lida com o ambiente ao redor, inclusive de forma ativa.

“O mesmo ambiente familiar acaba não sendo o mesmo para todas as crianças de uma família, porque as tendências de cada criança a levam para certas direções. Tratar crianças do mesmo jeito nunca garante resultados idênticos”, diz Nancy.

Nenhum pai, portanto, precisa tentar diferencia­r seus filhos gêmeos um do outro a todo custo —é praticamen­te certo que a natureza deles, sozinha, fará esse serviço. AUTORA Nancy Segal EDITORA Academic Press QUANTO R$ 125,42 (315 págs.)

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