Ajuda para dispensar ‘ficante’, luta
De mentirinha, ou ‘revezamento de acne’? Ter irmão gêmeo idêntico, no mínimo, rende boas histórias
FOLHA
Qualquer conversa mais calma com irmãos gêmeos idênticos costuma ser capaz de revelar o que muitos estudos científicos já apontam: eles tendem a ser muito mais grudados do que os irmãos que não “moraram juntos” no útero materno, e podem ser até mais próximos entre si do que gêmeos não idênticos.
Esse nível elevado de cumplicidade acabou levando a curiosas “lutas de compadre” entre os judocas e estudantes de medicina Hiran e Felipe Gasparini, 28, que começaram a treinar com apenas quatro anos de idade. “Quando passamos a competir, por muitas vezes nos enfrentamos nos campeonatos e, nessas ocasiões, tirávamos par ou ímpar para ver quem seria o vencedor da vez”, conta Hiran.
Quando as competições de judô foram ficando sérias e os garotos se puseram a disputar seletivas para campeonatos nacionais e internacionais, Hiran acabou mudando de categoria para que os dois tivessem chance de ganhar medalhas ao mesmo tempo e de viajar juntos para as disputas.
“Eu e o Felipe fomos campeões paulistas em duas categorias diferentes, leve e meio-médio, no mesmo momento e no dia do aniversário da nossa mãe, que não sabia nem para quem torcer e a quem assistir, porque as lutas aconteceram uma do lado da outra”, conta o aluno do sexto ano de medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) —o irmão está no quinto ano na Unesp de Botucatu. SEM TELEPATIA A cumplicidade também sempre foi a tônica da relação entre o publicitário Fernando Nieto e seu irmão, o administrador Roberto, 38. “Temos uma conectividade muito forte”, diz Fernando. Por coincidência, ambos se casaram com mulheres que também eram gêmeas (fraternas).
Os dois tiveram de passar um tempo considerável separados quando, aos 15 anos, Roberto sofreu um acidente com uma arma de pressão (o chumbo feriu sua cabeça) e entrou em coma. A recuperação lenta fez com que ele perdesse o ano escolar, enquanto Fernando continuou os estudos.
“As pessoas falam muito dessa suposta conexão telepática entre os gêmeos, mas confesso que não senti nada quando o Roberto entrou em coma”, diz o publicitário, corroborando os estudos que indicam que essa ligação “mágica” não passa de crendice.
Como seguiram carreiras bem diferentes, os dois volta e meia precisam lidar com amigos e colegas que conhecem apenas um dos irmãos e, sem saber da existência do outro gêmeo, já vão abraçando o coitado com toda a familiaridade em público —outro problema clássico de irmãos idênticos.
“A gente nem corrige mais. Se é na balada e a pessoa só quer dizer ‘E aí, há quanto tempo!’, a gente abraça e segue em frente”, ri Fernando.
É claro que a confusão também pode ser usada em proveito dos gêmeos. A economista Danielle Ribeiro Souza e sua irmã, a jornalista Débora Ribeiro Careli, hoje com 32 anos, já usaram a semelhança para dispensar um “ficante” de Danielle. “Ela enjoou e não sabia como terminar com ele, aí pediu minha ajuda. Cheguei nele na maior cara-de-pau e disse ‘olha, não rola mais’ e o coitado ficou com a cara no chão”, conta Débora.
As duas também chegaram a trocar as provas na escola (uma tinha estudado muito matemática, enquanto outra caprichara mais em português), e ambas tiraram notas boas sem que ninguém percebesse o engodo.
Caleb e Caio Bordi, 31, usaram expediente parecido para se livrar do limite de atrasos na escola (Caio faltou, Caleb fingiu que era o irmão para entrar na escola, mesmo atrasado, e fazer uma prova) e para evitar castigos em casa quando estavam sob os cuidados do pai. “Ele até sabia quem era quem, mas na hora do nervosismo costumávamos enganá-lo, um dizendo que era o outro”, conta Caleb. JOELHADAS E ESPINHAS Outra lição importante dos estudos recentes sobre gêmeos —a de que, apesar das profundas semelhanças, o organismo de cada um deles está longe de ser idêntico ao do outro— acabou sendo aprendida do jeito mais chato possível pelas irmãs Daniela e Marcela Bernardi, 28.
As duas já tiveram de fazer operações no joelho duas vezes, mas Daniela entrou na faca primeiro. “Quando foi a vez da minha irmã, eu saí falando ‘imagina, não precisa se preocupar, a recuperação é supertranquila’, mas na verdade pra ela foi horrível, ela sentiu dor à beça”, conta.
“A mesma coisa aconteceu com a amígdala: depois que eu operei, comi sanduíche no mesmo dia, enquanto a minha irmã teve a maior dificuldade com a operação.”
Como se não bastassem as questões pós-operatórias, as duas também tiveram uma estranha sincronicidade envolvendo... acne.
Segundo Daniela, a azarada da dupla quanto à presença de espinhas sempre foi ela. Em 2007, no entanto, quando foi passar uma temporada na Austrália, Marcela, que tinha ficado no Brasil para fazer cursinho e tentar uma vaga no curso de medicina, acabou desenvolvendo camadas de acne nas costas tão intensas quanto as da irmã.
“Quando ela foi me visitar na Austrália, as espinhas dela sumiram; quando ela voltou para o Brasil, as espinhas voltaram; e, finalmente, quando eu voltei, as minhas também sumiram. A gente brinca que foi alguma coisa psicológica da separação”, diz Daniela.
Diferenças significativas de personalidade são comuns até entre gêmeos idênticos.
A médica Tatiana Leone Cury Morroni diz que as características únicas de seus bebês Benício e Vicente, hoje com oito meses, ficaram claras “desde o ultrassom”, ainda na barriga dela.
“O Benício era o mais difícil de medir, porque ele era superagitado, ficava se mexendo o tempo todo, e continua assim. Já o Vicente é a paz em forma de bebê, quase não chora”, conta. (RJL)