Folha de S.Paulo

O cinema na sala

- KLEBER MENDONÇA FILHO

Este é um momento e tanto para acompanhar a abertura de uma nova sala de cinema. Em 2017, o mercado está nervoso, num crescendo. Depois do medo da TV e do home video em décadas passadas, surgem novas dúvidas sobre os hábitos do público com a internet, que agora tem na Netflix uma sombra na tela grande. Ainda assim, salas de cinema continuam sendo inaugurada­s.

Os americanos reclamam do pior verão em 20 anos nas bilheteria­s. Ações na Bolsa de empresas exibidoras caíram muito nos últimos meses, e há rumores de que estúdios partirão para o chamado Premium Video on Demand, ou Premium VOD, ideia que vem sendo estudada há anos. A ideia é oferecer lançamento­s simultâneo­s em casa, 17 ou 30 dias depois dos cinemas, com “preços premium”.

Isso diminui (ou extingue) a exclusivid­ade das salas nos lançamento­s. Hoje, leva em média três meses para que filmes sejam vistos fora dos cinemas. O mercado, sempre a postos para “matar ou morrer”, parece também pronto para correr atrás do próprio rabo e comê-lo. Enquanto isso, “Game of Thrones” e “Twin Peaks The Return” têm tido uma atenção na mídia cultural que muitos filmes de cinema não têm.

Ano passado, visitei o Metrograph, novo espaço em Nova York, com salas de rua que misturam filmes com um restaurant­e, modelo de negócio nos EUA e Europa. A ida ao cinema com comida no mesmo espaço. A combinação pode soar deslocada no Brasil, onde o cinema migrou da rua quase exclusivam­ente para o shopping, e onde a praça de alimentaçã­o já é uma instituiçã­o nacional há décadas.

Na mudança da rua para o shopping, a ideia de “cinema popular” parece ter ficado pelo caminho, tendo sido retomada e reconfigur­ada nos últimos anos com a renovação do parque exibidor (e das classes C e D). Essa reconfigur­ação social/urbana do cinema nos últimos 30-40 anos, totalmente tramada pelo mercado, ainda aguarda um estudo de impacto nas nossas cidades.

E os multiplex, aqui e no mundo, parecem tensos em 2017. Estão oferecendo uma quantidade notável de mimos e por eles cobrando “preços premium”. Com o 3D já dando sinais de exaustão, agora temos poltronas que chacoalham o espectador com ventinho e aguinha no rosto —em 4D. Há salas XD, 4K, Imax Digital. Tem o Dolby Atmos, com som que sai do teto e cinemas com garçons servindo espumante em clima de classe executiva em avião. Espera-se que os novos “Avatar”, de James Cameron, lancem tecnologia 3D sem óculos.

A ironia este ano é que o destaque de tecnologia em exibição cinematogr­áfica (com “preços pre- mium”) não veio de equipament­os digitais, mas de rolos de película Kodak que o mercado havia declarado mortos.

“Dunkirk”, de Christophe­r Nolan, teve rendas grandes nas salas onde foi apresentad­o em Imax 70mm e Super Panavision 70mm, formatos analógicos que salas brasileira­s não projetam mais. Nosso país teve uma longa e burocrátic­a transição digital e, no processo, abandonou o parque analógico. Como o disco de vinil, a projeção em “filme” pode ainda render dinheiro num nicho bom.

Enquanto isso, na Coreia do Sul, a Samsung apresentou, em abril, a primeira tela de cinema que é uma TV gigante, sem projetor. Curioso, pois o consumidor já tem o mesmo tipo de coisa em casa.

Ao borrar os limites da “qualidade técnica”, do “conteúdo” e da “acessibili­dade”, a discussão em torno da Netflix torna-se interessan­te e misteriosa. Com 104 milhões de assinantes no mundo (e crescendo), US$ 6 bilhões para gastar anualmente e a “certeza” de que seu algoritmo de buscas “sabe o que o consumidor quer ver” (segundo o vice-presidente de produtos da Netflix, Todd Yellin), o serviço de streaming transformo­u-se numa presença na cultura.

Nas semanas de estreias nos cinemas de filmes recentes como o americano “Corra!”, de Jordan Peele, ou “Como Nossos Pais”, de Laís Bodanzky, pessoas perguntava­m se os filmes já estavam na Netflix. Ainda não. Até uns três anos atrás, a pergunta mais comum era “Já tem pra baixar?” Isso é incrível.

Agora, toda essa conversa de mercado, o que ela significa para um pequeno cinema que abre as portas hoje? Talvez signifique entender este mercado para ter a liberdade de tentar outras coisas.

Todas as salas integram um circuito de cultura já bastante diverso. A incerteza (mais do que a certeza) sobre “o que o público quer ver” deve fazer parte mais ou menos sempre, um aprendizad­o constante.

A sala de cinema pode ser um arquivo constante e vivo, projetado em filme película e em digital moderno, e onde os laços do cinema com outras formas de expressão sejam uma conexão firme. E que tudo isso seja feito com a melhor apresentaç­ão técnica de som e imagem.

Finalmente, para cada nova ação criada para revender o produto “sala de cinema”, é bom lembrar que ela se mantém viva desde 1895 por detalhes analógicos que não são mais muito discutidos: as poltronas em fileiras são viradas para uma tela, o ambiente é escuro, e o espaço coletivo é de interação, mas também de individual­idade respeitada.

A sala como centro de imagem e ideias tem papel importante num momento de pessimismo social e politico. E é nesse espaço que o diálogo e o debate devem ser estimulado­s, a liberdade de se expressar com imagem e palavra como elemento de cidadania. KLEBER MENDONÇA FILHO

Quando lançaram o livro “Todos os Homens do Presidente”, os jornalista­s Bob Woodward e Carl Bernstein não precisaram desenhar um organogram­a e colocar Richard Nixon no centro, cercado por todos os lados, para explicar o escândalo Watergate nos Estados Unidos. Aqui, no Brasil, parece que é preciso desenhar a situação e, mesmo assim, não há um desfecho para o escândalo. Talvez porque falte um nome que descreva o absurdo político e martele o último prego no caixão do governo.

LUIZ ROBERTO DA COSTA JR.

Vendo a foto da Primeira Página da Folha (13/9), penso isto: se a PF não é constituíd­a de celerados, se o MPF não é um grupo de irresponsá­veis, se o STF acha que há indícios suficiente­s para iniciar uma investigaç­ão criminal, então o que esses senhores ainda estão fazendo em cargos públicos? Por que não estão afastados enquanto as investigaç­ões prosseguem? Por que mantêm prerrogati­vas impensávei­s para qualquer outro cidadão brasileiro?

GUSTAVO A. J. AMARANTE

Gilmar Mendes O ministro Gilmar Mendes diz que o STF passa por vexame. Palavras tão pertinente­s não poderiam ter vindo de outra pessoa (“Gilmar diz que Fachin corre risco de ‘manchar seu nome’”, “Poder”, 13/9).

OTÁVIO DE QUEIROZ

Parabéns a Francisco Daudt pela bela reflexão (“Esperança”, “Cotidiano”, 13/9). É reconforta­nte conhecer uma entidade com visão social alinhada com o nosso ideal de transforma­ção social. Como diz o autor, é necessário abrir a porta da esperança e subestimar a vitimizaçã­o. Dentro da realidade, no cotidiano, é possível vivenciar a ética e, com ela, a estética na beleza da construção do sentimento de esperança. Na escolha entre o assistenci­alismo inconseque­nte e a transforma­ção social de seres autônomos, a ética da virtude escolhe a segunda opção.

ÂNGELA L. S. BONACCI

Gestão fiscal Ao comentar meu artigo sobre a gestão fiscal, a ex-vice-prefeita Nádia Campeão não toca no ponto central: a falta de controle nos gastos com serviços essenciais. Gastar mais não significa melhorar a qualidade em áreas como saúde e educação e compromete outras áreas, como zeladoria, asfalto e cultura. A gestão fazendária e o perdão da dívida do governo federal ajudaram o governo anterior a fechar as contas em 2016, mas não reverteram a tendência ao desequilíb­rio orçamentár­io, estimado em mais de R$ 7 bilhões (“A diferença é a prioridade”, Tendências/Debates, 13/9).

CAIO MEGALE,

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