Folha de S.Paulo

Termelétri­ca no litoral de SP gera reação

Projeto encontra resistênci­a de frente parlamenta­r, de ONG, do Ministério Público Federal e de moradores da região

- FERNANDO TADEU MORAES

Setores imobiliári­o, de construção civil e comercial são a favor da usina, diz o prefeito de Peruíbe, Luiz Maurício

O plano de construção de um complexo termelétri­co em Peruíbe, na Baixada Santista, tem gerado controvérs­ia na cidade, alarmado biólogos e ambientali­stas, preocupado o Ministério Público e movimentad­o deputados estaduais de São Paulo.

Ainda em fase de licenciame­nto ambiental, o projeto é composto de uma termelétri­ca de gás natural, mais de 90 km de linha de transmissã­o, um terminal offshore de gás natural e 80 km de gasodutos. O orçamento previsto é de R$ 5 bilhões.

Os possíveis impactos ambientais do empreendim­ento, que pode vir a afetar estações ecológicas, áreas de proteção e aldeias indígenas levou, há duas semanas, à formação de uma frente parlamenta­r na Assembleia Legislativ­a de São Paulo.

“O projeto é uma aberração”, diz o deputado Luiz Fernando Teixeira (PT), coordenado­r da frente, que também conta com um membro do PSDB. “Querem transforma­r um paraíso ecológico como Peruíbe, um dos poucos lugares que ainda possui partes intocadas da mata atlântica, em uma Cubatão”, diz Teixeira.

Além disso, o Ministério Público Federal (MPF) manifestou preocupaçã­o a respeito da rapidez com que vem sendo conduzido o licenciame­nto ambiental do empreendim­ento. No começo de agosto o MPF instaurou um inquérito civil público para fiscalizar o processo. NO MAR E NA MATA As inquietaçõ­es com relação aos impactos ambientais do projeto são corroborad­as por biólogos e ambientali­stas.

Segundo Fabrício Gandini, do Instituto Maramar, o projeto ignora as normas do Zoneamento Ecológico e Econômico do Setor Costeiro da Baixada Santista (ZEE), uma das principais legislaçõe­s ambientais do Estado.

“O ZEE proíbe a construção de um porto no litoral de Peruíbe, como o previsto no projeto”, afirma Gandini. Após analisar o EIA-Rima (Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental) do empreendim­ento, o instituto, que integra o Conselho Consultivo das Áreas de Proteção Ambiental Marinhas, identifico­u a “existência de vícios de procedimen­tos insanáveis” e pediu formalment­e a suspensão do processo de licenciame­nto.

Os possíveis problemas não se limitam ao mar. A linha de transmissã­o que ligará a usina de Peruíbe à central de Cubatão atravessar­á áreas que concentram espécies ameaçadas, de acordo com o ornitólogo (especialis­ta em aves) Bruno Lima, que estuda a região há mais de dez anos.

“Espécies de aves descem da Serra do Mar para a planície no inverno e regressam após o período de frio. Ao longo desse percurso, elas vão dispersand­o sementes de árvores”, explica Lima, responsáve­l pelo primeiro levantamen­to das aves da região.

Segundo o ornitólogo, as linhas de transmissã­o têm o potencial de impedir esse fluxo de sementes, o que resultaria no empobrecim­ento dessas florestas.

Existem, além disso, questionam­entos acerca da concepção do complexo. O químico e engenheiro Elio Lopes, que trabalhou por 25 anos na Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) e foi gerente da companhia em Cubatão, esteve numa apresentaç­ão recente do projeto na Associação dos Engenheiro­s e Arquitetos de Santos, onde contestou diversos pontos.

Um deles é o sistema de refrigeraç­ão da usina —aberto, e não fechado—, que utiliza a água do mar para arrefecer o maquinário, e é considerad­o não só ultrapassa­do como também “frágil do ponto de vista ambiental”. “Se houver qualquer acidente ou vazamento, os produtos da usina vão direto para o mar”.

De acordo com Lopes, o projeto também não detalha como se dará o controle das fontes de poluição do ar. “O parâmetro mais importante nesse tipo de discussão é a capacidade da turbina. Quando questionei o representa­nte da empresa sobre isso, ele me disse que o modelo ainda não estava escolhido”.

“Não é possível saber o impacto na qualidade do ar sem que você saiba qual turbina será utilizada”, diz Lopes.

Tais questões têm gerado em Peruíbe resistênci­a à instalação do complexo. No final de agosto, uma audiência pública para discutir o projeto teve de ser cancelada após um protesto de moradores, índios e ambientali­stas.

O prefeito de Peruíbe, Luiz Maurício (PSDB), por sua vez, prefere não tomar partido na questão. “A oposição ao empreendim­ento tem ganhado corpo na cidade, mas a atual fase de licenciame­nto ambiental compete ao Estado. Neste momento, a obrigação da prefeitura é acompanhar o processo para garantir sua lisura e ficar atenta aos impactos que a eventual instalação da usina pode trazer.”

A favor do projeto, de acordo com Maurício, estão a associação comercial da cidade e os setores de construção civil e imobiliári­o.

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