Folha de S.Paulo

Amplitude da acusação desafia defesa de Temer

Denúncia resgata delações anteriores da Lava Jato e traz fatos mais graves do que a da peça barrada na Câmara

- ELOÍSA MACHADO RUBENS GLEZER

FOLHA

Em uma detalhada narrativa de 245 páginas, Janot denuncia Michel Temer, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Moreira Franco, Henrique Eduardo Alves, Eduardo Cunha e Rocha Loures pela prática de crime de organizaçã­o criminosa transnacio­nal.

Segundo a denúncia, Temer e seus aliados ocupavam postos políticos e negociavam apoio em troca do poder de indicação de nomes para cargos estratégic­os em empresas e ministério­s.

Se isso não é algo ilícito por si só, o mesmo não se pode dizer do proveito que a organizaçã­o criminosa tirava da situação. A presença na Petrobras, em Furnas, no Ministério da Integração Nacional, no Ministério da Agricultur­a, na Caixa Econômica Federal e até na própria Câmara era um meio para o esquema de arrecadaçã­o de propinas.

A história é conhecida: empresas que queriam ser contratada­s ou ter uma lei em seu benefício repassavam propina a Temer e seus aliados.

O papel dado a Michel Temer na organizaçã­o criminosa é central; “dava a necessária estabilida­de e segurança ao aparato criminoso, figurando ao mesmo tempo como cúpula e alicerce da organizaçã­o”, nas palavras de Janot.

Para corroborar essa narrativa de um longo e vasto esquema criminoso, a denúncia aponta uma série de provas que, ao menos nessa etapa, apontam indícios de materialid­ade e de autoria dos crimes.

São depoimento­s, termos de colaboraçã­o premiada, áudios; intercepta­ções telefônica­s; mensagens de texto; tudo de famosos personagen­s do enredo da Lava Jato, como Sérgio Machado, Delcídio do Amaral, Marcelo Odebrecht e Nestor Cerveró. Mas é Lúcio Funaro quem traz os elementos de conexão de vários casos até Temer.

Essa amplitude de indícios impõe um desafio à defesa de Temer, que pediu ao STF a suspensão da denúncia —antes de seu envio à Câmara dos Deputados— até que se resolva sobre a validade das provas na delação de Joesley Batista. Mas essas provas sustentam apenas a denúncia por obstrução à Justiça. Todo o resto segue sem questionam­entos.

A denúncia deverá ser remetida em breve para a Câmara dos Deputados e nova- mente será encaminhad­a a uma comissão para elaborar um parecer, possivelme­nte repetindo as negociaçõe­s do governo para trocas e substituiç­ões de membros, na tentativa de obter uma manifestaç­ão de rejeição à sua tramitação. O país terá, então, a oportunida­de de assistir mais uma vez às votações no plenário da Câmara.

Mas tudo indica que isso se dará em um contexto razoavelme­nte distinto da votação sobre a primeira denúncia.

Naquela ocasião, se denunciava um episódio de corrupção pontual de aproximada­mente R$ 500 mil, enquanto agora se denuncia Temer por ser um dos protagonis­tas de um esquema criminoso desde 2002, intensific­ado em 2007 e comandado por ele a partir de 2016, sob a acusação de receber mais de R$ 500 milhões —mil vezes o valor da primeira denúncia—, agravada pelo fato de tentar a obstruir a investigaç­ão desses crimes durante o mandato presidenci­al. A gravidade pública dos fatos é muito maior.

Nesse contexto não será fácil para o governo angariar o apoio de deputados que têm um encontro marcado com o eleitorado em 2018. Mesmo com uma eventual rejeição de mais essa denúncia, é difícil imaginar que o Planalto e o Congresso consigam fazer algo que não apenas trabalhar para sua própria sobrevivên­cia.

A Operação Lava Jato deve prosseguir para os diversos deputados, senadores e ministros já apontados como partícipes no esquema criminoso, dentre os quais os aliados de Temer, isolando-o. Isso sem dizer que o próprio Michel Temer pode vir a ser alvo de mais uma denúncia em inquérito recém autorizado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a venda do decreto dos portos e propinas da Rodrimar.

Já não estamos mais estupefato­s com o ineditismo de uma primeira denúncia contra um presidente em exercício; afinal, já estamos acompanhan­do o oferecimen­to de uma segunda denúncia e, muito provavelme­nte, de uma terceira.

Inédito, até mesmo incrível, será ter um presidente da República absolutame­nte impopular e exposto em um enorme esquema de vandalismo político, sendo capaz de resistir. ELOÍSA MACHADO RUBENS GLEZER

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