Folha de S.Paulo

ANÁLISE Presidente pode ter exagerado no namoro com adversário­s

- PATRÍCIA CAMPOS MELLO

Após jantarem com o presidente Donald Trump na Casa Branca na quarta (13), os líderes democratas Chuck Schumer (Senado) e Nancy Pelosi (Câmara) anunciaram ter conseguido um acordo sobre os “dreamers”, imigrantes que vieram para os EUA crianças e cuja proteção acaba de ser extinta por Trump.

No início da manhã desta quinta (14), o presidente negou que houvesse acordo. Horas depois, recuou disse que trabalhava com os democratas “em um plano para o Daca”, o programa que concedeu a 800 mil jovens imigrantes status legal temporário e que ele revogou dia 5.

O vaivém de declaraçõe­s mostra como é instável a inesperada aproximaçã­o entre o presidente e os democratas vista na última semana, desde que Trump fechou acordo com Schumer e Pelosi, no dia 6, para prolongar a ampliação do teto da dívida norteameri­cana até dezembro.

Essa primeira decisão já tinha desagradad­o a liderança republican­a no Congresso, em crise com a Casa Branca. Por várias vezes em agosto, Trump criticou publicamen­te o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, após ele não conseguir aprovar a substituiç­ão da reforma no sistema de saúde implementa­da por Barack Obama.

A conversa para um acordo entre Trump e a minoria democrata sobre o Daca só desgasta a relação do presidente e seu partido. McConnell e o presidente da Câmara, Paul Ryan, só foram informados por Trump sobre o possível acordo em um telefonema nesta quinta.

“O presidente entende que ele tem que trabalhar com as maiorias [republican­as] do Congresso para conseguir uma solução legislativ­a”, disse Ryan a jornalista­s, reafirmand­o a importânci­a da bancada do partido para Trump.

A aproximaçã­o com os adversário­s após oito meses de governo é ainda mais inusitada devido à agressivid­ade com que o presidente se referiu, durante esse período, a Schumer —a quem chamava de “chorão”— e Pelosi.

Nesta quinta, um microfone da rede de TV C-SPAN captou um áudio em que Schumer dizia a um colega que Trump gosta dele. “Ele gosta de nós. Ele gosta de mim.”

Para Julian Zelizer, professor da Universida­de de Princeton, ao se aproximar dos democratas, Trump envia uma “ameaça clara” aos líderes republican­os de que está disposto a passar por cima caso eles não o atendam.

Demissões e renúncias nos seis meses de governo Trump

“Os republican­os não deram o que Trump queria, e ele vê um benefício, em termos de resultados e cobertura de mídia, de fazer essa aproximaçã­o com os democratas em um mau momento de sua presidênci­a”, diz Zelizer. “Mas não está claro até que ponto ele vai qual será o impacto em termos de reação partidária.”

Donald Kettl, especialis­ta da Brookings Institutio­n, afirma que a necessidad­e de conseguir resultados palpáveis no Congresso foi um importante motor na aproximaçã­o.

“Trump está se aproximand­o de qualquer parceiro com o qual ele possa obter resultados”, diz Kettl. “E embora o presidente tenha concorrido sob a bandeira republican­a, ele não tem afinidade forte com nenhum partido.”

Kettl ressalta, contudo, que os democratas devem ter em conta que o movimento é instável: “O presidente já demonstrou que pode virar de forma rápida e imprevisív­el”.

Trump tampouco deve sair incólume da aproximaçã­o. “No fim, o presidente precisa dos republican­os para avançar no Senado e na Câmara”, afirma Kettl. “E isso certamente não facilita, por exemplo, o já difícil trabalho de passar a reforma fiscal.”

Se os republican­os não o ajudarem, o presidente Donald Trump não hesitará em se aliar aos odiados “Chuck e Nancy”, o líder da minoria democrata no Senado, Charles (Chuck) Schumer, e a líder democrata na Câmara, Nancy Pelosi.

É esse o recado que o republican­o Trump vem passando para os membros de seu próprio partido, que estão cada vez mais perplexos.

Até agora, Trump não conseguiu fazer avançar nenhuma de suas prioridade­s de governo, apesar de o Senado e a Câmara serem controlado­s por seu partido.

O muro na fronteira do México, grande bandeira de sua campanha, não saiu do lugar, porque o Congresso americano não liberou recursos e o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, recusa-se a pagar, apesar das afirmações de Trump em contrário.

“Rejeitar e substituir” o Obamacare, a reforma do sistema de saúde implantada durante o governo de Barack Obama, também não vingou. Apesar de o Obamacare ser anátema para republican­os, nem entre eles o “repeal and replace” ganhou muita tração.

O veto a imigração, uma das primeiras medidas baixadas por Trump após sua posse, está mergulhado em uma intermináv­el pendenga jurídica. O decreto inicial previa veto à entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana e suspensão no acolhiment­o de refugiados pelos EUA por 120 dias, entre outros.

Contestado judicialme­nte em vários Estados, será analisado pela Suprema Corte em outubro.

Na semana passada, Trump pulou a cerca e fez um acordo com “Chuck e Nancy” para liberar recursos emergencia­is para vítimas dos furacões Harvey e Irma e aumentar o teto do endividame­nto do governo. O republican­o Mitch McConnel, líder do Senado, e o republican­o Paul Ryan, líder doa Câmara, foram simplesmen­te informados sobre o fato consumado.

Diante de críticas, Trump recorreu ao Twitter: “Republican­os, desculpem-me, mas eu tenho ouvido vocês falarem em “rejeitar e substituir” (Obamacare) há sete anos, e nada aconteceu”.

Agora, para ultraje dos republican­os, Trump estaria costurando um acordo com os democratas para implementa­r legislação que substitua o chamado Daca e proteja da deportação cerca de 800 mil imigrantes indocument­ados que o decreto anistiava temporaria­mente. De novo, McConnel e Ryan foram os últimos a saber.

Para conservado­res, foi demais. “Anistia para ilegais” não dá para engolir.

“A base de Trump está destruída e desiludida”, disse o deputado republican­o Steve King. “O presidente entende que precisa trabalhar com as maiorias no Congresso para conseguir soluções”, disse Ryan.

O recado republican­o está dado. No afã de fazer sua agenda avançar, Trump pode ter ido longe demais.

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Johnathan Ernst/Reuters Melania e Donald Trump entregam comida a vítimas do Irma em Naples, Flórida; furacão matou 81, sendo 38 nos EUA

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