ANÁLISE Presidente pode ter exagerado no namoro com adversários
Após jantarem com o presidente Donald Trump na Casa Branca na quarta (13), os líderes democratas Chuck Schumer (Senado) e Nancy Pelosi (Câmara) anunciaram ter conseguido um acordo sobre os “dreamers”, imigrantes que vieram para os EUA crianças e cuja proteção acaba de ser extinta por Trump.
No início da manhã desta quinta (14), o presidente negou que houvesse acordo. Horas depois, recuou disse que trabalhava com os democratas “em um plano para o Daca”, o programa que concedeu a 800 mil jovens imigrantes status legal temporário e que ele revogou dia 5.
O vaivém de declarações mostra como é instável a inesperada aproximação entre o presidente e os democratas vista na última semana, desde que Trump fechou acordo com Schumer e Pelosi, no dia 6, para prolongar a ampliação do teto da dívida norteamericana até dezembro.
Essa primeira decisão já tinha desagradado a liderança republicana no Congresso, em crise com a Casa Branca. Por várias vezes em agosto, Trump criticou publicamente o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, após ele não conseguir aprovar a substituição da reforma no sistema de saúde implementada por Barack Obama.
A conversa para um acordo entre Trump e a minoria democrata sobre o Daca só desgasta a relação do presidente e seu partido. McConnell e o presidente da Câmara, Paul Ryan, só foram informados por Trump sobre o possível acordo em um telefonema nesta quinta.
“O presidente entende que ele tem que trabalhar com as maiorias [republicanas] do Congresso para conseguir uma solução legislativa”, disse Ryan a jornalistas, reafirmando a importância da bancada do partido para Trump.
A aproximação com os adversários após oito meses de governo é ainda mais inusitada devido à agressividade com que o presidente se referiu, durante esse período, a Schumer —a quem chamava de “chorão”— e Pelosi.
Nesta quinta, um microfone da rede de TV C-SPAN captou um áudio em que Schumer dizia a um colega que Trump gosta dele. “Ele gosta de nós. Ele gosta de mim.”
Para Julian Zelizer, professor da Universidade de Princeton, ao se aproximar dos democratas, Trump envia uma “ameaça clara” aos líderes republicanos de que está disposto a passar por cima caso eles não o atendam.
Demissões e renúncias nos seis meses de governo Trump
“Os republicanos não deram o que Trump queria, e ele vê um benefício, em termos de resultados e cobertura de mídia, de fazer essa aproximação com os democratas em um mau momento de sua presidência”, diz Zelizer. “Mas não está claro até que ponto ele vai qual será o impacto em termos de reação partidária.”
Donald Kettl, especialista da Brookings Institution, afirma que a necessidade de conseguir resultados palpáveis no Congresso foi um importante motor na aproximação.
“Trump está se aproximando de qualquer parceiro com o qual ele possa obter resultados”, diz Kettl. “E embora o presidente tenha concorrido sob a bandeira republicana, ele não tem afinidade forte com nenhum partido.”
Kettl ressalta, contudo, que os democratas devem ter em conta que o movimento é instável: “O presidente já demonstrou que pode virar de forma rápida e imprevisível”.
Trump tampouco deve sair incólume da aproximação. “No fim, o presidente precisa dos republicanos para avançar no Senado e na Câmara”, afirma Kettl. “E isso certamente não facilita, por exemplo, o já difícil trabalho de passar a reforma fiscal.”
Se os republicanos não o ajudarem, o presidente Donald Trump não hesitará em se aliar aos odiados “Chuck e Nancy”, o líder da minoria democrata no Senado, Charles (Chuck) Schumer, e a líder democrata na Câmara, Nancy Pelosi.
É esse o recado que o republicano Trump vem passando para os membros de seu próprio partido, que estão cada vez mais perplexos.
Até agora, Trump não conseguiu fazer avançar nenhuma de suas prioridades de governo, apesar de o Senado e a Câmara serem controlados por seu partido.
O muro na fronteira do México, grande bandeira de sua campanha, não saiu do lugar, porque o Congresso americano não liberou recursos e o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, recusa-se a pagar, apesar das afirmações de Trump em contrário.
“Rejeitar e substituir” o Obamacare, a reforma do sistema de saúde implantada durante o governo de Barack Obama, também não vingou. Apesar de o Obamacare ser anátema para republicanos, nem entre eles o “repeal and replace” ganhou muita tração.
O veto a imigração, uma das primeiras medidas baixadas por Trump após sua posse, está mergulhado em uma interminável pendenga jurídica. O decreto inicial previa veto à entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana e suspensão no acolhimento de refugiados pelos EUA por 120 dias, entre outros.
Contestado judicialmente em vários Estados, será analisado pela Suprema Corte em outubro.
Na semana passada, Trump pulou a cerca e fez um acordo com “Chuck e Nancy” para liberar recursos emergenciais para vítimas dos furacões Harvey e Irma e aumentar o teto do endividamento do governo. O republicano Mitch McConnel, líder do Senado, e o republicano Paul Ryan, líder doa Câmara, foram simplesmente informados sobre o fato consumado.
Diante de críticas, Trump recorreu ao Twitter: “Republicanos, desculpem-me, mas eu tenho ouvido vocês falarem em “rejeitar e substituir” (Obamacare) há sete anos, e nada aconteceu”.
Agora, para ultraje dos republicanos, Trump estaria costurando um acordo com os democratas para implementar legislação que substitua o chamado Daca e proteja da deportação cerca de 800 mil imigrantes indocumentados que o decreto anistiava temporariamente. De novo, McConnel e Ryan foram os últimos a saber.
Para conservadores, foi demais. “Anistia para ilegais” não dá para engolir.
“A base de Trump está destruída e desiludida”, disse o deputado republicano Steve King. “O presidente entende que precisa trabalhar com as maiorias no Congresso para conseguir soluções”, disse Ryan.
O recado republicano está dado. No afã de fazer sua agenda avançar, Trump pode ter ido longe demais.