Folha de S.Paulo

ANÁLISE Americano diz o óbvio com ênfase para auditório

- CLÓVIS ROSSI

DONALD TRUMP

presidente dos EUA

FOLHA

O trecho mais midiático do discurso de Donald Trump na ONU é de grande obviedade, mas dita com palavras e ênfase típicas de animador de auditório —o papel em que se sai melhor—, o que inevitavel­mente elevou-o às manchetes no mundo inteiro.

É óbvio que os Estados Unidos, como disse Trump, não teriam alternativ­a senão “aniquilar” a Coreia do Norte, se Kim Jong-un atacar os EUA ou seus aliados.

Se os EUA entraram em guerra com o Japão, depois que este atacou Pearl Harbour; se até um presidente mais moderado do que Trump, como George W. Bush, invadiu o Afeganistã­o, depois dos atentados terrorista­s às Torres Gêmeas e ao Pentágono, não revidar vigorosame­nte a um ataque norte-coreano desmoraliz­aria não só Trump mas o seu país também.

É igualmente óbvio que o revide não significar­á a aniquilaçã­o da Coreia do Norte. O secretário de Defesa de Trump, o general Paul Mattis, já havia dito, pouco antes do discurso do chefe, que os EUA têm uma opção militar contra Pyongyang que não poria a Coreia do Sul em risco de um contra-ataque.

Postas à mesa as cartas americanas, qual a resposta de Kim Jong-un? Se as crises se mantiverem no território da racionalid­ade, o ditador não dará motivo para a retaliação americana.

Vale a avaliação que fez recentemen­te para Guilherme Magalhães, desta Folha, o dissidente norte-coreano Kim Heung-kwang, radicado em Seul: “Ele [o ditador] está com 33 anos. Tem menos dinheiro do que Bill Gates, mas leva uma vida mais luxuosa. Não acho que ele se arriscaria a deixar essa vida para iniciar uma guerra que sabe que perderia”.

Mas é pouco provável que ameaças o façam abandonar o programa nuclear do país, a melhor defesa contra uma eventual tentativa de forçar a mudança do regime.

Conclusão: a continuida­de da guerra de palavras e do lançamento de mísseis, com o consequent­e risco de um acidente qualquer que provoque “fogo e fúria” sobre a Coreia do Norte, conforme ameaça anterior de Trump.

Tudo somado, o discurso de Trump é menos ameaçador —por óbvio e repetitivo— em relação à Coreia do Norte e mais em relação ao Irã: ao voltar a atacar o acordo de 2015 em torno do programa nuclear iraniano, Trump desafia um consenso que uniu todas as grandes potências, inclusive os EUA de Barack Obama.

É verdade que no discurso desta terça (19), o presidente não disse que rasgaria o acordo. Ainda assim, acaba repondo na lista de inquietaçõ­es um outro programa nuclear, o que não é bom para ninguém.

Por fim, Trump terminou por contradize­r suas críticas ao Irã, à Coreia do Norte e à Venezuela, ao dizer: “Sempre ponho a América primeiro, assim como vocês, líderes de seus países, deveriam pôr seus países primeiro”.

É exatamente o que Kim Jong-un, o aiatolá Khamenei e o ditador Nicolás Maduro dizem que fazem. São ditadores, é verdade, mas acham que até suas ditaduras são a melhor maneira de pôr seus países em primeiro lugar. Por que mudar se até Trump os convida a não fazê-lo?

Como vizinhos e amigos responsáve­is, nós e os demais temos uma meta: ajudar [os venezuelan­os] a recuperar seu país e restaurar sua democracia Os EUA serão sempre um grande amigo do mundo, sobretudo de seus aliados. Mas não podemos mais permitir que tirem vantagem de nós, nem participar de acordos desiguais Como presidente dos EUA, sempre vou pôr a América em primeiro lugar, da mesma forma que vocês deveriam colocar seus países em primeiro lugar

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