Folha de S.Paulo

Tentação de caudilho

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Em nova ameaça à normalidad­e democrátic­a na América Latina, deputados alinhados ao governo boliviano pediram ao Tribunal Constituci­onal daquele país que anule os limites à reeleição. O objetivo não é outro senão abrir caminho para que Evo Morales se perpetue no poder.

Derrotado em referendo a respeito do tema em 2016, o presidente, em seu terceiro mandato consecutiv­o, tenta agora um golpe judicial semelhante ao promovido por seu aliado Daniel Ortega na Nicarágua. Lá, a Corte Suprema de Justiça, servil ao Executivo, declarou inconstitu­cional o impediment­o à recondução do chefe de Estado.

Caso a estratégia não funcione, o Movimento ao Socialismo (MAS), partido de Morales, anunciou outros caminhos possíveis, incluindo a renúncia do mandatário antes do próximo pleito, ao final de 2019.

Um dos últimos aliados do ditador Nicolás Maduro, da Venezuela, o líder boliviano continua fiel à receita chavista de preservar o comando à custa dos freios e contrapeso­s exigidos por uma democracia plena —e, nesse caso, à revelia da decisão popular soberana.

Ocioso recordar as consequên- cias trágicas do caudilhism­o de Maduro, da violência política à hiperinfla­ção e ao desabastec­imento.

A degradação institucio­nal se verifica também na Nicarágua, onde uma importante coalização oposicioni­sta foi impedida de participar da mais recente eleição presidenci­al, em novembro de 2016.

Sem adversário­s competitiv­os, Ortega venceu pela terceira vez consecutiv­a tendo como vice a própria mulher, em pleito repleto de evidências de fraude e criticado pela comunidade internacio­nal.

É justo reconhecer que Morales, no cargo desde 2006, tem feito uma administra­ção mais prudente. Mantém a economia nacional nos trilhos, o que permite a redução da pobreza, e combate a produção de cocaína com mais eficiência do que Peru e Colômbia.

Trata-se, sem dúvida, de um feito do primeiro presidente indígena eleito no mais pobre dos países sul-americanos —que também amarga uma traumática tradição de instabilid­ade política.

O candidato a caudilho, no entanto, arrisca-se a colocar os avanços a perder ao atentar contra as normas de uma Constituiç­ão que ele próprio impulsiono­u e ratificou.

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