Folha de S.Paulo

Populismo e crise

-

Vivemos mais uma semana agitada, com a tentativa de barrar novas denúncias e evidências de que não conseguire­mos aprovar uma reforma eleitoral minimament­e aceitável. Um futuro melhor para o país não parece estar em vias de construção e, se por um lado surge algum controle sobre as contas públicas, por outro as instituiçõ­es se enfraquece­m a cada dia.

A polarizaçã­o atual da política brasileira que vem se colocando em todas as esferas da vida em sociedade obriga a que se tomem posições monolítica­s em todas as questões, afinal, ou você é dos nossos ou contra nós, sem nuances ou qualquer pensamento mais elaborado.

Nesse cenário, em que nada do que o outro faz é legítimo ou pode ser encarado como uma das leituras possíveis da realidade em contexto democrátic­o, propostas populistas de direita ou de esquerda ganham força, em parte viabilizad­as pela comunicaçã­o fácil proporcion­ada pelas redes sociais. O político apolítico viceja, assim como a ideia de que é preferível não termos partidos ou sequer democracia, já que todos padecem dos mesmos pecados.

Curiosamen­te, nesse contexto em que todos cometeram erros, os que o outro lado fez são crimes, enquanto os pecadores que integram o meu lado cometeram meros pecados veniais, numa teologia que não conhece imparciali­dade, visto que há um inimigo maior a enfrentar. E, para pedagogica­mente explicar ao público esse risco maior, recorre-se a teorias simplifica­doras da realidade, em que não faltam notícias falsas e rótulos que inviabiliz­am uma escuta cuidadosa da lógica do grupo rival.

Aliás, essa simplifica­ção integra a propaganda própria de populismos: explico com uma linguagem infantil para mobilizar hordas eventualme­nte truculenta­s e ávidas por uma ação forte que resolva os males que me afligem. “Para todo problema complexo”, dizia o escritor e ativista antipopuli­sta Henry Mencken, “existe sempre uma solução simples, elegante e completame­nte errada”.

A ilusão das soluções fáceis alimenta o populismo há centenas de anos. Transforma­r a realidade em um mundo em que de fato haja oportunida­des, em especial para os mais vulnerávei­s, em que a justiça impere e a liberdade possa ser exercida sem causar dor profunda nos outros é possível, mas demanda um esforço sistêmico de enfrentame­nto dos interesses fragmentad­os que hoje tomam conta da cena institucio­nal, seja na forma de corporativ­ismos, de um estranho renascimen­to de teocracias ou da combinação entre crime organizado e política.

Uma renovação política pode ajudar, desde que se eduque a nova geração para uma prática distinta, não fragmentad­a e, portanto, voltada ao bem coletivo.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil