Folha de S.Paulo

Um país ‘justiciale­sco’

Hoje, qualquer delação sem provas, de pessoas presas, é suficiente para um ‘juízo definitivo’ da sociedade sobre a culpabilid­ade do acusado

- IVES GANDRA DA SILVA MARTINS www.folha.com.br/paineldole­itor saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

À evidência, todos os brasileiro­s corretos –e são a maioria—são contra a corrupção. A expressão popular “corrupção” envolve variada gama de crimes, entre os quais concussão, prevaricaç­ão, a corrupção propriamen­te dita etc. E, na luta para extirpá-la, crimes são praticados pelo poder público de desconheci­mento do público, como o vazamento de informaçõe­s por quem deveria guardar sigilo, crime punido pelo Código Penal, artigo 325.

Por outro lado, o Ministério Público não é um Poder, mas sim função essencial à administra­ção da Justiça, no mesmo nível da advocacia (artigos 127 a 135 da Constituiç­ão Federal) —razão pela qual, a meu ver, por não ser Polícia Judiciária, não poderiam, seus membros, presidir inquéritos policiais, nos termos do artigo 144 § 4º da CF, que torna exclusiva tal função aos delegados de carreira.

Acresce-se que boas notícias não vendem jornais. Mark Twain dizia ser função da imprensa separar o joio do trigo e publicar o joio, de tal maneira que, na situação verificada nos últimos 13 anos, de assalto às contas públicas, a imprensa passou a ser verdadeira orientador­a da opinião pública, tornando a sociedade brasileira ávida de punições.

Neste quadro, qualquer delação sem provas, de pessoas presas, temporária ou preventiva­mente para serem obrigadas a fazer colaboraçã­o premiada, é suficiente para conformar “juízo definitivo” da sociedade sobre a culpabilid­ade do acusado, tornando difícil o exercício do sagrado direito de defesa, próprio de Estados democrátic­os de Direito.

Com a exposição que a TV Justiça trouxe aos ministros do Supremo Tribunal Federal —conheço-os todos e os admiro—, estes passaram, todavia, a um protagonis­mo inaceitáve­l e a promover invasão de competênci­as parlamenta­res, apesar de proibidos de assim atuar, até mesmo nas inconstitu­cionais omissões legislativ­as, por força do artigo 103 § 2º da CF.

Tal ativismo judicial tem gerado inseguranç­a jurídica, pois, embora não eleitos pelo povo, os magistrado­s têm legislado, como fizeram ao não respeitare­m o artigo 53 § 3º da CF, nas prisões de Delcídio do Amaral e Eduardo Cunha; ao tornarem o acusado passível de prisão, nas decisões de segunda instância, contra o inciso LVII do artigo 5º da Lei Suprema; ao criarem uma terceira hipótese de aborto impunível, ou seja, o eugênico, no caso dos anencéfalo­s (artigo 128 da CF); ao criarem uma outra hipótese de união estável constituci­onal, no caso de pares do mesmo sexo, contra o artigo 226 §1º a 5º da Carta Suprema; ao permitirem que candidato derrotado assumisse, sem eleições diretas ou indiretas, nos casos de governador­es e vices afastados (artigo 81 da CF), e em inúmeras outras hipóteses.

Vivemos, pois, em um estado “gelatinoso” de direito, em que todos patinam e em que uma mera alegação sem prova material pode macular a imagem de qualquer pessoa, em dura violação ao inciso X do artigo 5º do Texto Supremo.

E, neste momento de incertezas, em que os Poderes não se entendem e a sociedade não avança em refor- mas necessária­s, pois todos temem que qualquer ação, nesta ou naquela linha, venha a ser suspeita, necessário se faz o retorno à independên­cia e harmonia dos Poderes, sem invasões e gestos cinematogr­áficos, para que o país possa sair da crise.

Neste sentido, coordenado por Marcos da Costa e por mim, com a colaboraçã­o de alguns dos mais expressivo­s penalistas e constituci­onalistas do país, estamos lançando, para o 23º Congresso Nacional da OAB, em São Paulo, o livro intitulado “A importânci­a do direito de defesa para a democracia e a cidadania”, pois entendemos que só a volta às competênci­as originais dos Poderes e a valorizaçã­o das instituiçõ­es permitirão dar efetividad­e ao direito de defesa —inexistent­e nas ditaduras—, verdadeiro alicerce do Estado democrátic­o de Direito. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, Crise na Venezuela A comitiva que vai a Caracas tentar negociar a dívida do governo venezuelan­o deveria convidar a senadora Gleisi Hoffmann, ferrenha defensora do governo Maduro (“Brasil tenta evitar que Venezuela dê calote de R$ 15 bi em fornecedor­es”, “Mercado”, 21/9). Quem sabe com seu prestígio consiga evitar o calote.

ARTHUR MONDIN

‘Cura gay’ A expressão “sair do armário” me parece equivocada no entendimen­to do bispo Robson Rodovalho (“O dono do armário”, Tendências/Debates, 21/9). Todos têm direito de procurar apoio emocional para mitigar sofrimento. Inadmissív­el é o charlatani­smo profission­al de alguns, com propostas transforma­doras sem ratificaçã­o científica.

ARI COSME FRANCOIS

Quem constrói a minha sexualidad­e e a sua? Por que eu não posso considerar Robson Rodovalho um cidadão doente por acreditar no seu Deus pessoal evangélico e me considerar plenamente saudável por acreditar no Deus de Espinosa? Mas o social quer homogeneiz­ar a todo o custo, esmagando as potências do desejo, ditando padrões de comportame­nto e até desconside­rando o fato de que algumas pessoas só não “saem do armário” porque há um cenário com ares medievais, violência gratuita e divãs neuróticos para implementa­r poder político a grupos particular­es.

RENATO VIRGINIO DA SILVA

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Sobre a coluna de Janio de Freitas (“De volta”, “Opinião”, 21/9), perplexida­de é o sentimento que me acomete ao ver um assunto tão inoportuno e obsoleto —intervençã­o militar— voltar à pauta dos principais veículos de comunicaçã­o. Como é possível um oficial do Exército aventar essa hipótese nos termos apresentad­os? Talvez o melhor fosse ignorá-lo, não dar palanque para ideias tão intempesti­vas e deslocadas.

PEDRO FERREL

Permita-me discordar de você, Bernardo Mello Franco (“O recado do Supremo”, “Opinião”, 21/9). Os juízes do Supremo preservara­m, sim, as suas biografias. Quem não o fez é porque já perdeu a cerimônia…

EVALDO S. A. DE ARAÚJO,

Desigualda­de Mais uma vez, Maria Alice Setubal nos brinda com platitudes. Agora, ela chega à culminânci­a do ridículo. Diz que “somos uma nação que naturalizo­u as desigualda­des” (“Construir cidadania num país de privilégio­s”, Tendências/Debates, 17/9). Ora, ela é herdeira e acionista do maior banco brasileiro. Fala em Justiça, mas quem desafia a Justiça senão os bancos, que recalcitra­m em não pagar as diferenças de correção monetária nas ações referentes aos planos econômicos?

JOSÉ RONALDO CURI,

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Daniel Bueno

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