Folha de S.Paulo

40 ANOS DA INVASÃO

Última grande operação contra o movimento estudantil durante a ditadura, ação na PUC teve 3.000 policiais e prendeu quase mil alunos

- MARCO RODRIGO ALMEIDA

DE SÃO PAULO

Há 40 anos, a PUC de São Paulo foi alvo da última grande operação da ditadura contra o movimento estudantil.

Em 22 de setembro de 1977, 3.000 policiais do Estado de São Paulo, em harmonia com o regime militar em vigor no país, invadiram a Pontifícia Universida­de Católica e interrompe­ram um atividade pública dos estudantes.

A ação resultou na detenção de 854 pessoas, levadas ao Batalhão Tobias de Aguiar. Delas, 92 foram fichadas no Deops (Departamen­to Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo) e 42 acabaram processada­s com base na Lei de Segurança Nacional, acusadas de subversão.

A despeito disso, o ato dos alunos saiu vitorioso: tornouse bandeira da resistênci­a pacífica contra os militares e impulsiono­u o processo de reconstruç­ão da UNE (União Nacional dos Estudantes), então na ilegalidad­e.

Em junho de 1977, a tentativa de realizar o terceiro Encontro Nacional dos Estudantes em Belo Horizonte foi frustrada pelas forças militares, que cercaram a UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais), sede da reunião.

Uma reconvocaç­ão em 21 de setembro daquele ano, em São Paulo, também acabou sendo impedida. No dia seguinte, a PUC amanheceu cercada por agentes do governo, mas cerca de 70 alunos conseguira­m realizar ali uma sessão secreta, no final da manhã, na qual foi eleito um comitê para retomar as atividades da UNE.

Pela noite, em ato com quase 2.000 pessoas, os alunos comemorara­m a realização do encontro e anunciaram suas deliberaçõ­es. Cerca de 20 minutos depois, às 21h50, tropas invadiram o campus.

“Foi uma cena assustador­a. Os policias batiam com cassetete e jogavam diversos tipos de bomba. A PUC parecia uma praça de guerra”, relata Beatriz Tibiriça, uma das estudantes processada­s.

Enquanto empreendia suas buscas, a polícia depredou salas de aula e outras instalaçõe­s da universida­de. Os estudantes detidos foram conduzidos em fila indiana e de mãos dadas ao estacionam­ento.

“E os agentes davam pancada quando a fila parava. Ninguém imaginava que uma violência daquele grau pudesse ocorrer contra uma manifestaç­ão pacífica”, conta Anna Bock, professora de psicologia da PUC. Seis estudantes sofreram queimadura­s.

O coronel Erasmo Dias (1924-2010), então secretário de Segurança Pública de São Paulo, comandou pessoalmen­te a operação.

Erasmo Dias tornou-se figura folclórica na época por sua atuação enérgica contra os “agentes subversivo­s”. “Vamos almoçar essa gente antes que ela nos jante”, afirmou certa vez.

No caso da PUC, pode-se dizer que o coronel foi quase “jantado” pela reitora da PUC, Nadir Kfouri (1913-2011). Quando estendeu a mão para saudá-la, a reitora afirmou que não cumpriment­ava assassinos e virou as costas.

Além do barulho das bombas, um outro som ficou na lembrança de muitos dos alunos.“Eu quero a Veroca e o Marcelo”, bradava Dias.

Referia-se ao jovem casal Vera Paiva e Marcelo Garcia e Souza (1954-1984), ambos líderes do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da USP.

Nenhum dos dois estava lá —naquela noite, ajudavam estudantes de outros Estados a saírem de São Paulo.

“Além de minha atuação no DCE, acho que ele me procurou por causa de meu pai”, avalia Vera. Ela é filha do deputado Rubens Paiva, morto pela ditadura em 1971.

Após triagem na PUC, 854 pessoas foram transferid­as para o Batalhão Tobias de Aguiar. Por volta das 5h30 do dia 23, os estudantes começaram a ser liberados.

O coronel reformado Francisco Batista Torres de Mello, 92, comandante da PM naquela época, diz hoje que a invasão foi um erro. “Não havia necessidad­e. Nós tentamos evitar, mas não foi possível. Somos treinados para a guerra, mas preferimos a paz. Seria tão bom se todo mundo se amasse, mas todo homem tem um pouco de Deus e do Diabo.”

Em 1978, o inquérito contra os alunos foi arquivado. No ano seguinte, o Congresso de Reconstruç­ão da UNE foi realizado em Salvador, sem represália­s policiais.

 ?? Foto Arquivo PUC ?? Estudantes em ato contra a ditadura na PUC de São Paulo, em 22 de setembro de 1977
Foto Arquivo PUC Estudantes em ato contra a ditadura na PUC de São Paulo, em 22 de setembro de 1977

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