Folha de S.Paulo

Centro histórico escapa; entorno fica destruído

- Voluntário­s e militares buscam sobreviven­tes nas ruínas da escola Enrique Rebsamén

Foram longas horas de alarmes —e notícias— falsas.

Debaixo de forte chuva, vez ou outra aplausos quebravam o silêncio pesado. Mas era só mais uma comemoraçã­o da troca de turno dos socorrista­s que tentam, há dois dias, arrancar pelo menos um sobreviven­te dos escombros de uma escola que desabou com o terremoto do dia 19, que deixou ao menos 278 mortos.

Essa vítima, no entanto, não é Frida Sofía, que dominou o noticiário e as rodas de conversa desde o colapso do colégio Enrique Rebsamén no terremoto que arrasou partes da Cidade do México. Depois de grande especulaçã­o até de socorrista­s e o alarde potente de canais de TV, autoridade­s disseram que não havia uma menininha soterrada ali.

De acordo com Enrique Sarmiento, secretário-assistente da Marinha mexicana, há rastros de sangue e outros sinais de que possa haver uma pessoa viva no lugar, mas que todas as crianças do colégio já foram identifica­das —19 morreram e as demais estão internadas ou em casa. Seis adultos também morreram no desabament­o, o mais grave provocado pelo abalo.

Mas, enquanto pairava a dúvida, o caso de “fake news” transformo­u a suposta criança em símbolo de esperança na ressaca da tragédia que matou ao menos 142 pessoas na capital.

Desde o início das buscas nos escombros, no entanto, equipes de resgate vêm dando informaçõe­s desencontr­adas. Só no segundo dia, pareceu se tornar mais evidente que Frida Sofía não passava de uma manchete comovente num caso que não precisa de exagero algum para se firmar como drama real.

Frida Sofía de repente passou a ser chamada só de Sofía, isso até o jornal “Reforma” noticiar que nenhuma aluna com esse nome registrada no colégio esteve soterrada. Então, rebatizara­m a garota de Mónica até deixar de falar nela. Tudo indica que a vítima que ainda pode estar nos escombros é adulta.

À noite, a Marinha pediu desculpas à população pela divulgação da notícia falsa e atribuiu a informação aos voluntário­s e outras equipes que participav­am do resgate.

Nas horas antes de os militares desmentire­m a existência da menina, os momentos de silêncio vinham se tornando mais frequentes ao redor do Enrique Rebsamén.

Também ficou mais intensa a movimentaç­ão, com grupos de familiares que entravam e saíam da área isolada, médicos e soldados pedindo remédios e ajuda de tradutores. Uma brigada de resgate alemã se juntara ao esforço.

“Sinto que eles estão tão perto, mas ao mesmo tempo estão muito longe. O tempo passa muito devagar”, afirmava Jorge Ramírez, um voluntário esperando para entrar nos escombros, com lágrimas nos olhos.

“Fico só tentando ler o rosto dos que saem de lá, com cara de más notícias. Queria entrar nem que fosse para levantar só uma pedra.” CENSO Lourdes Huerta, mãe de uma aluna do Enrique Rebsamén, esperava em frente à City College, uma escola vizinha, para se registrar num censo organizado a pedido do colégio que desabou. “É para saber quem está vivo ou não está”, disse à filha Lulu, 10.

“Eu me lembro de tudo que vi. Tudo começou a tremer, as paredes balançavam de um lado para o outro, e a professora mandou todo mundo descer”, contou a menina.

“No dia da catástrofe, reunimos todos os alunos aqui”, disse o diretor da escola vizinha, Fernando Ramírez, apontando para o pátio do City College. “Não sabemos como está a situação nos escombros, mas agora damos esse apoio, para ajudar a saber quem está desapareci­do.”

Enquanto isso, outro prédio, a uma quadra da escola, ameaça desabar, causando LULU HUERTA, 10 aluna da escola Enrique Rebsamén, que desabou com o terremoto correria entre policiais e homens da Marinha, que isolaram a construção para evitar que a queda de partes do prédio ferisse ainda mais gente.

Atrás dos cordões de isolamento, voluntário­s e jornalista­s se espremem por notícias. Civis que em grande parte substituír­am o Exército nas ações de resgate ainda coordenava­m a chegada de remédios, ferramenta­s, mantas, comida e mais mantimento­s.

Em toda a cidade, esses canteiros de obras que se formaram em torno de escombros acabam lembrando uma enorme cirurgia coletiva, em que voluntário­s gritam pelas ferramenta­s que precisam.

Numa Cidade do México que virou parque de prédios estrebucha­dos, plantões de notícias interrompe­m a toda hora talk shows e novelas com mais histórias de um resgate ainda longe de terminar.

DO ENVIADO À CIDADE DO MÉXICO

Não fossem as enormes tendas brancas montadas no meio do Zócalo, a gigantesca praça no coração da Cidade do México teria a mesma cara de antes do terremoto.

Enquanto voluntário­s, policiais e soldados operam ali a central de abastecime­nto de comida, capacetes e remédios que irrigam a metrópole aos remendos, alguns prédios construído­s há séculos não sofreram quase nenhum dano visível.

É fato que a catedral tem uma das laterais meio afundada, mas isso é culpa de a cidade ter sido construída em cima de um lago. De frente para ela, a sede da prefeitura, um edifício da década de 1940, foi poupada pelo tremor e também cedeu suas arcadas para os mantimento­s.

Os palácios de governo em torno do Zócalo, aliás, só estão fechados agora, segundo um funcionári­o público, porque é praxe –em caso de terremoto, todos os prédios oficiais precisam ser inspeciona­dos até que possam ser usados de novo.

Mas a situação é outra a poucas quadras dali. No calçadão da rua 16 de Septiembre, algumas galerias comerciais construída­s na década de 1960 estão fechadas, algumas com grandes rachaduras.

Outro ponto do centro, distante da região histórica, porém, lembrava uma zona de guerra. Um armazém com um furgão massacrado por escombros na garagem parecia uma natureza-morta do rastro de uma catástrofe.

“Todos os prédios podem cair”, dizia Mario Prian, dono do imóvel, sentado debaixo da marquise destroçada, com medo de saques. “Estamos correndo riscos, mas não posso deixar o prédio com as coisas dentro.”

Na quadra ao lado, o que era uma fábrica virou um amontoado de concreto. Homens amarravam cordas a vigas e pedras e puxavam com o próprio corpo os destroços de onde 14 pessoas foram retiradas vivas. (SM)

“de tudo que vi. Tudo começou a tremer, as paredes balançavam de um lado para o outro, e a professora mandou todo mundo descer

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