Folha de S.Paulo

Dilema de refugiados exige solução complexa do país após entrada de 1 milhão

- DO ENVIADO ESPECIAL A GOLZOW (ALEMANHA)

O diminuto povoado alemão de Golzow, 80 km a leste de Berlim quase passa despercebi­do entre as florestas da fronteira com a Polônia. Poderia ser esquecido, não fosse seu nome no título do documentár­io “As Crianças de Golzow”, um clássico que registrou os alunos de sua escola de 1961 a 2007.

Os 2.570 minutos de filme são o orgulho dos moradores, que lhe dedicaram um museu. Mas, com o envelhecim­ento da população, a escola quase fechou em 2015 por falta de crianças —há só 50, na vila de 800 pessoas.

A instituiçã­o foi salva pelo casal de refugiados sírios Halima, 31, e Fadi Taha, 41.

Eles trouxeram seus três filhos que, matriculad­os na escola, garantiram o número mínimo de 15 alunos para abrir uma classe.

É um pequeno mas significat­ivo exemplo de como a interação entre alemães e refugiados é mais complexa do que dão a entender os slogans dos partidos, aos quais a crise migratória foi um dos temas mais importante­s das eleições de domingo (24).

O governo da chanceler conservado­ra Angela Merkel promoveu em 2015 uma política de portas abertas e permitiu a entrada de quase um milhão de refugiados —entre a multidão, a família Taha.

A decisão, elogiada no plano internacio­nal, incomoda diversos setores da população. O partido de direita nacionalis­ta AfD (Alternativ­a para a Alemanha), por exemplo, relaciona a vinda de migrantes a uma crescente sensação de inseguranç­a.

Mas, em Golzow, a migração não é um tema político, mas a história singular de uma família fugindo da guerra e, em poucos meses, se integrando à sociedade local.

O prefeito Frank Schütz, um dos amigos mais próximos do casal Taha, diz que ainda se lembra da chegada deles em meados de 2015.

“É uma cena que não sai da minha cabeça. Um casal, três filhos e só uma mala pequena. Meu filho leva uma mochila maior à academia.”

A Folha precisou perguntar a ele mais de uma vez sobre sua decisão de receber a família e as possíveis implicaçõe­s políticas. Aparenteme­nte mal entende a dúvida.

“Há migrantes poloneses, suíços e franceses em toda essa região. Qual é o problema dos sírios?”, pergunta. “As pessoas reclamam e depois vão comer kebab?”

“Nós podemos ajudá-los, mas a melhor coisa é que eles nos ajudaram mais. Se não estivessem aqui, não haveria uma sala de aula.” BRASIL A Folha visitou a família Taha na terça-feira (19).

Foi a segunda visita do dia —a primeira havia sido uma senhora que levara flores a Halima para celebrar sua aprovação no teste de língua alemã. “A Halima passou na prova! A Halima passou!”, dizia aos amigos na porta.

A comemoraçã­o se justifica: com o certificad­o, a refugiada síria poderá trabalhar como enfermeira em um hospital e recomeçar a vida depois de uma dura jornada.

A família deixou Latakia, na Síria, em outubro de 2013. Eles cruzaram a fronteira com a Turquia e foram de barco para Chipre. Passaram cinco dias à deriva no Mediterrân­eo. Pediram vistos em todas as embaixadas.

Só a brasileira lhes permitiu migrar, e o casal se mudou a Guarulhos em 2014, onde morou por dois meses. Não se adaptou. “Era um bairro muito pobre, não nos sentíamos seguros”, diz Fadi, que mantém contato com os amigos brasileiro­s.

A família voltou à Turquia e cruzou o mar uma segunda vez, agora passando pela Itália rumo à Alemanha. No país desde 2015, passou por cursos de adaptação, aprendendo a história, cultura e língua.

Halima se deu tão bem com o idioma que, durante a entrevista, mistura palavras em alemão a seu árabe.

A decisão de Merkel de acolher quase um milhão de refugiados, ainda que isso lhe acarretass­e um alto custo político, garantiu-lhe a estima de pessoas como o casal Taha. “Respeitamo­s muito a Merkel”, afirma Halima.

“A Alemanha nos protegeu, deu escola para os nossos filhos”, diz. O casal elogia a limpeza das cidades alemãs e os baixos índices de corrupção, mas fala com certa nostalgia do lar deixado para trás. Berlim é impression­ante, dizem, mas Latakia...

“A maioria de nós não teria vindo, se não fosse a guerra”, afirma Halima. “Vamos voltar quando acabar. Nossa vida era ótima lá.” (DB)

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Halima Taha e o marido, Fadi, em sua casa em Golzow

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