Folha de S.Paulo

Emprego despiora, governo reza

- VINICIUS TORRES FREIRE

O COPO do emprego com carteira ainda está meio vazio. Por cinco meses consecutiv­os, até agosto, houve mais contrataçõ­es do que demissões, inédito desde 2014. Melhor assim, mas vai ser um milagre que o ano feche no azul, com mais empregos na CLT do que em 2016.

“Quem tiver uma vela pode acender, quem tiver Ave Maria pode rezar”, disse Mário Magalhães, coordenado­r-geral de estatístic­as do Ministério do Trabalho, sobre o saldo do ano, ao apresentar os dados do Caged (o registro do emprego formal). Nesta semana, em mensagem de vídeo para evangélico­s, Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, também apelara aos céus, em particular em outubro, “mês de oração pela economia”.

Haja reza. Apesar das despioras, havia em agosto 3,1 milhões de empregos com carteira a menos do que em agosto de 2014, início da recessão. Na conta não estão empregos que deixaram de ser criados. Um chute conservado­r sugere que devemos estar com um deficit de 5 milhões de empregados com CLT.

A melhorazin­ha do ano tem um tanto de ilusória. O número de empregados com CLT ainda é 1,4% menor que em agosto de 2016. Em setembro e outubro, as contrataçõ­es tendem a inflar: são trabalhos temporário­s para a produção que será vendida no período de festas. Em dezembro, há demissões em massa dos temporário­s, como em qualquer ano, bom ou ruim. Difícil que o saldo seja positivo.

Ainda assim, é pecado desprezar a despiora. Onde apareceu trabalho? Em 2017, foram criados 163,5 mil empregos. Na agricultur­a, 115 mil. De serviços de educação, médicos e odontológi­cos, vieram outros 106 mil, impression­ante, dado o peso desses setores no emprego total (uns 10%). A construção civil continua a perder empregos ao ritmo de 10% ao ano, de longe o pior setor.

O Nordeste ainda está no vermelho. A região e o desastre sem fim do Rio de Janeiro levam as estatístic­as para baixo. No azul estão São Paulo, o Sul e, com peso positivo desproporc­ional, Mato Grosso e Goiás, Estados da agropecuár­ia, grande responsáve­l por tirar o país do buraco.

Também positivo, a estabilida­de no emprego formal deve contribuir para abater o medo de consumir, se diz em relatório de economista­s do Bradesco.

De 2014 a 2017, no geral as famílias pagaram dívidas e pouparam, em parte por medo do futuro (o consumo caiu bem mais do que a renda), um caso raro no país, observa o pessoal do banco. A inadimplên­cia subiu relativame­nte menos do que em outras crises.

Pelos dados do Banco Central, enfim começou a cair o serviço da dívida (parte da renda usada para pagar juros e o principal do débito). Menos dívida, aumento da renda real (inflação menor), menos medo da crise e queda dos juros devem elevar o consumo daqui em diante, diz o pessoal do Bradesco, como se especulava nestas colunas em agosto. Os economista­s, Daniela Cunha de Lima, Igor Velecico e Fernando Honorato Barbosa, colocaram números nessa especulaçã­o.

“A queda de juros deve promover alívio de R$ 40 bilhões no comprometi­mento de renda até dezembro de 2018. Aliado à redução dos gastos com amortizaçã­o ..., podemos observar um alívio de mais de R$ 70 bilhões na renda das famílias até o final de 2018, quase 1% do PIB”, escrevem os economista­s.

Menos medo de ficar sem trabalho, inflação, juros e dívida menores devem animar consumo até 2018

vinicius.torres@grupofolha.com.br

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