Folha de S.Paulo

Trem novo de Alckmin espera teste no mato

Cerca de 80 vagões prometidos para a CPTM estão sem uso, ao relento, em pátio de fábrica no interior de SP

- FABRÍCIO LOBEL

Estrutura de testes obrigatóri­os para trem circular enfrenta gargalo; Estado nega falta de dinheiro

Superlotaç­ão, atrasos e falhas constantes. Esses são ingredient­es conhecidos por qualquer usuário frequente das linhas da CPTM, na Grande São Paulo. Enquanto isso, a 110 km da capital paulista, vagões novos, já pintados com o símbolo da companhia, acumulam poeira e tomam sol e chuva no pátio da fábrica.

São cerca de 80 vagões (o equivalent­e a dez trens inteiros). Eles estão espalhados pelo terreno e galpão da espanhola CAF, a fabricante, na cidade de Hortolândi­a —a reportagem da Folha sobrevoou o local nesta semana.

O motivo alegado para esse cenário é um gargalo na estrutura de testes obrigatóri­os dos novos trens antes de entrarem em circulação na rede sob a administra­ção do governo de Geraldo Alckmin (PSDB).

São duas as empresas fornecedor­as de novos trens: a CAF e a coreana Hyundai. Por contrato, cada uma delas tem direito a apenas quatro espaços de cada vez para testes nos trilhos da estatal. Sendo assim, qualquer atraso vira um entrave para toda produção.

Alckmin chegou a anunciar que os trens demorariam somente um mês para serem testados. Desde maio, porém, a espera tem sido de dois meses, em média. Nesse ritmo, todos os 47 trens (quase 400 vagões) que ainda restam ser entregues só chegariam à população em 2019, três anos após a previsão inicial.

O governo do Estado diz que, se as fabricante­s solucionar­em os defeitos encontrado­s pelos engenheiro­s da CPTM na hora dos testes, a liberação seria agilizada —cabe à estatal aprovar os trens.

Uma solução seria a ampliação do número de trilhos da CPTM dedicados aos testes, atualmente entre as estações Lapa e Presidente Altino. Mas, para a estatal, essa medida implicaria em novo prejuízo ao já complicado tráfego.

O pagamento pelos novos trens é feito de maneira parcelada. Parte no início da fabricação (28,5%), outra parcela na saída da fábrica para testes (29,25%) e uma terceira quando os trens comple- tam os testes (29,25%).

A quarta parte é paga quando eles são aprovados em simulações na linha em que serão utilizados (10%). O último pagamento ocorre depois dos últimos testes já com passageiro­s (3%).

Exemplo: um trem pronto para testes, mas parado na fábrica, já custou ao governo do Estado cerca de R$ 8 milhões. Após todos os testes, as empresas receberiam ainda mais cerca de R$ 20 milhões.

O governo Alckmin afirma que não há falta de dinheiro para pagamento dos trens.

No final deste mês, dois trens devem deixar a fase de testes e liberar espaço para novas composiçõe­s.

Cerca de R$ 20 milhões foram aplicados em multas às duas empresas devido a atrasos de entrega. Além do atraso, o Ministério Público investiga falhas de produção nesses lotes, o que, em tese, atrasaria a liberação dos trens.

Procurada, a CAF não quis comentar o contrato ou os trens parados em sua fábrica. A Hyundai diz estar empenhada em cumprir o contrato.

Com 260 km de trilhos em operação, a CPTM transporta em média 2,8 milhões de passageiro­s por dia, em seis linhas que ligam São Paulo a outras cidades da Grande SP. CONTRATOS O contrato com as duas empresas, de quase R$ 2 bilhões, foi assinado quatro anos atrás. Mas, de um lote de 65 trens, apenas 18 estão em uso.

Todos eles deveriam já estar rodando desde 2016 nas linhas 7-rubi (que liga a capital a Jundiaí e transporta 450 mil passageiro­s por dia) e 11-coral (que corta a zona leste e segue até Mogi das Cruzes, com um total de 724 mil passageiro­s diários).

O primeiro tropeço do contrato foi a falência da Iesa, uma das empresas que formava consórcio com a Hyundai. A coreana, então, assumiu o compromiss­o de entrega de 30 trens, mas teve que refazer todo seu planejamen­to.

A inauguraçã­o da fábrica onde seriam montados os vagões só ocorreu em março do ano passado. O governo chegou a divulgar que a Hyundai entregaria os 30 trens até agosto de 2016, mas o prazo não foi cumprido. Até agora apenas três trens deste lote foram entregues.

Já a CAF demorou para aprovar os trens fabricados nos testes exigidos pela CPTM. Segundo o secretário estadual de Transporte­s Metropolit­anos, Clodoaldo Pelissioni, o primeiro trem da espanhola demorou 13 meses para obter os certificad­os de todos os testes da estatal.

Por isso, o governo paulista só colocou o primeiro trem destes contratos para rodar em julho do ano passado, um mês após o prazo contratual de entrega de todo o lote.

A expectativ­a do governo era de que, após o primeiro teste, as aprovações seguintes seriam mais fáceis.

Nessa época, o governador paulista anunciou que a CPTM inaugurari­a, em média, quatro trens novos por mês. Prorrogand­o a promessa inicial, ele disse que até o fim de 2017 as 65 composiçõe­s estariam funcionand­o. Mas o ritmo está abaixo do esperado.

Alckmin tem pressa, já que deixará o cargo em abril para a disputa das eleições do ano que vem. Ele trava uma disputa interna no PSDB com o prefeito João Doria para a escolha do candidato do partido ao Palácio do Planalto. Trens previstos nos contratos 18 39 Entregues até agora Não estão nem em teste ainda

 ??  ?? Vagões da CPTM, no pátio da fábrica
Vagões da CPTM, no pátio da fábrica
 ??  ?? Vagões da espanhola CAF embalados para transporte na fábrica da empresa em Hortolândi­a, no interior de São Paulo
Vagões da espanhola CAF embalados para transporte na fábrica da empresa em Hortolândi­a, no interior de São Paulo

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil