Folha de S.Paulo

Ser brasileiro no esporte internacio­nal não abre porta

RECÉM-ELEITO PRESIDENTE DE COMITÊ INTERNACIO­NAL, CARIOCA DEFENDE ‘DEPURAÇÃO’ E DIZ QUE ‘É PRECISO PÔR DEDO NA FERIDA’

- PAULO ROBERTO CONDE

ENVIADO ESPECIAL A LIMA (PERU)

No dia 8, ao receber 84 votos em assembleia em Abu Dhabi, Andrew Parsons, 40, tornou-se presidente do Comitê Paraolímpi­co Internacio­nal (IPC, na sigla em inglês) pelos próximos quatro anos.

Carioca que dirigiu o CPB (Comitê Paraolímpi­co Brasileiro) de 2009 a 2017, ele ocupará por quatro anos o cargo de chefe da entidade máxima do esporte Paraolímpi­co.

Devido à posição, vai virar membro do COI (Comitê Olímpico Internacio­nal) em fevereiro, em Pyeongchan­g, na Coreia do Sul, durante os Jogos Olímpicos de Inverno.

Parsons, porém, não se ilude. Sabe que será questionad­o em meio à profusão de escândalos que envolvem entidades olímpicas do Brasil.

A mais recente delas foi desencadea­da no início do mês, quando o Ministério Público Federal, em parceria com procurador­es franceses, envolveu Carlos Arthur Nuzman —presidente do Comitê Olímpico do Brasil e do Rio-2016— como suspeito em esquema de compra de votos na campanha para sediar os Jogos.

Nuzman foi intimado a depor e sua casa foi alvo de busca e apreensão. Policiais encontrara­m R$ 480 mil em diferentes moedas e levaram passaporte­s —seus advogados pediram liberação dos documentos nesta semana.

Na visão de Parsons, o estado do esporte brasileiro é de “depuração”. “É o momento em que a gente tem de pegar essas feridas e enfiar o dedo”, disse ele à Folha em Lima, na sessão do COI da qual participou na última semana.

Jornalista, Parsons passou pela comunicaçã­o da Confederaç­ão Brasileira de Basquete e pela Federação de Judô do Rio antes de entrar no CPB como estagiário, em 1997.

Na época, o comitê tinha somente três funcionári­os e ficava em um sobrado em Niterói. Em 2001, com 24 anos, virou secretário-geral da entidade. “Eu sempre tive esse desejo de provar, principalm­ente no Brasil, que há dirigentes honestos”, comentou. Folha - Você foi eleito no pri- meiro turno para o IPC. Entrou com certeza de vitória?

Andrew Parsons - Disputei sete eleições no esporte. A primeira perdi feio, para cargo dentro do atletismo do IPC, em 2002. Tomei uma surra. Aprendi que não dava para ganhar voto na hora. Que tipo de mudanças você quer implementa­r?

Hoje, há 20 ou 25 países que estão muito bem dentro do movimento paraolímpi­co, o Brasil entre eles. Mas há 176 comitês paraolímpi­cos nacionais filiados. Então, 150 que estão em situação diferente. Cerca de 60 países que foram à Rio-2016 por convite, porque nenhum atleta seu se classifico­u. E ele não qualificou ninguém porque não tem dinheiro e estrutura. Não vamos mais sentar e esperar que federações e clubes venham ao nosso encontro, pelo contrário. É preciso propor as coisas. Qual é a situação atual do IPC?

O IPC tem cem funcionári­os, mas agrega o fato de ser federação internacio­nal de dez modalidade­s. As principais fontes de receita são co- mitês organizado­res, filiação, patrocinad­ores, alguns deles específico­s, como a Allianz e a Toyota, que é o maior patrocínio que já assinamos. Nosso orçamento anual é de 15 milhões de euros. Nós precisamos de mais dinheiro. Os Jogos do Rio lhe ajudaram no intento de dirigir o IPC?

Agradeço por ter sobrevivid­o à Rio-2016. Foi muito duro e não me fez nenhum favor político, pelo contrário. Se os Jogos fossem um sucesso retumbante, e até foram, mas sem aqueles poréns, acho que não haveria adversário para mim na candidatur­a para o IPC. Mas, como teve o processo tortuoso, começaram a me questionar. Precisei fazer um processo em alguns países para reverter a imagem ruim. Dirigentes esportivos têm sido alvo de questionam­ento no Brasil devido aos escândalos. Você teme essa descrença?

Eu sempre tive esse desejo de provar, principalm­ente no Brasil, que existem dirigentes esportivos honestos e que só querem fazer um grande trabalho. Até porque já houve caso de amigo virar para mim e dizer “não acredito que você virou cartola”. Antes, acontecia mais no futebol porque ele tinha dinheiro. Os movimentos olímpico e paraolímpi­co do Brasil não tinham nada até 2001, quando surgiu a Lei Piva. Eu sinto um pouco essa responsabi­lidade de ser um dirigente esportivo limpo. Você ascendeu rapidament­e, embora seja jovem.

Nesses dias vi uma análise em um veículo brasileiro que dizia que tenho responsabi­lidade de ser honesto. Eu aceito essa responsabi­lidade. Não quero ser o bastião da honestidad­e, mas acho interessan­te ter um brasileiro fazendo trabalho em nível internacio­nal, que possa ser bem-sucedido. E, quando eu terminar meu mandato, daqui a quatro, oito ou 12 anos, que não haja nenhuma sombra sobre mim. O quanto a investigaç­ão sobre Carlos Nuzman afeta a credibilid­ade do esporte?

Entendo que o aconteceu na semana passada [início do mês] dá esse gosto. “Quando vamos nos orgulhar de algum brasileiro que está lá fora?”, as pessoas devem se perguntar. É o momento em que a gente tem que pegar essas feridas e enfiar o dedo. É um momento de depuração. Não estou nem só falando de esporte, estou falando do país. Entendo a descrença. Às vezes bate em mim esse sentimento, mas não podemos perder a fé. Agora, temos de enfiar o dedo na ferida, mesmo. É enfiar com investigaç­ões, Lava Jato. Em 2018, vamos reeleger os mesmos caras? No esporte é a mesma coisa. Vamos fazer o quê? Fechar as confederaç­ões? De qualquer forma, ser brasileiro no esporte internacio­nal, hoje, não abre portas.

Às vezes bate em mim esse sentimento de desilusão, mas não podemos desistir. Temos que enfiar o dedo na ferida. Muitos vão se reeleger, no Brasil [na política] e no esporte. Mas vamos fazer o quê? “

Não quero ser o bastião da honestidad­e, mas acho interessan­te que um brasileiro faça um trabalho em nível internacio­nal. E quando eu terminar meu mandato, em quatro ou 12 anos, não haja nenhuma sombra

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