Folha de S.Paulo

Campanha são-paulina fez Palestra virar Palmeiras

Disputa entre as duas equipes em 1942 marcou a história do clube alviverde

- ALBERTO NOGUEIRA

“Corinthian­s é rival. São Paulo é inimigo

Em episódio conhecido como “Arrancada Heroica”, clube ganhou o título paulista após vitória sobre o São Paulo

“Corinthian­s é rival. São Paulo é inimigo.”

A frase de Oberdan Cattani (1919-2014), no livro “Os Dez Mais do Palmeiras”, do jornalista Mauro Betting, retrata um fato histórico do futebol paulista há 75 anos.

O ex-goleiro palmeirens­e se referiu às rusgas entre palestrino­s e são-paulinos em 1942, quando o Palestra Itália foi obrigado a trocar de nome para não fechar e perder todo o seu patrimônio, em episódio conhecido como “Arrancada Heroica”.

Na época, em plena Segunda Guerra (1939-1945), o governo Getúlio Vargas (19371945) havia acabado de romper com os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e passado a integrar a Aliança (EUA, França e Inglaterra).

No dia 11 de março de 1942, o decreto 4.166 definiu que bens de italianos, alemães e japoneses poderiam ser confiscado­s para compensar prejuízos causados pelos países em guerra com o Brasil.

O ato forçou agremiaçõe­s a mudarem de nome, como o Esporte Clube Germânia, que virou Pinheiros, e o Palestra Itália de Minas, hoje Cruzeiro. Já o time paulista se tornou Palestra de São Paulo.

Tudo ia bem até o diretor são-paulino Paulo Machado de Carvalho entrar em cena.

“Ele sabia que o São Paulo investira muito ao contratar Leônidas da Silva para buscar o primeiro título do clube. E também viu a chance de ter uma sede [a do Palestra]”, diz o jornalista Fernando Galuppo, autor de “Morre Líder, Nasce Campeão”, livro sobre a Arrancada Heroica.

Dono da rádio Record, o dirigente promoveu campanha contra o rival. O são-paulino vinculou o nome “Palestra”, de origem grega, à Itália.

O clube alviverde se viu sob a pressão de encerrar suas atividades e o risco de perder o estádio Parque Antárctica. “Alguns sócios que serviram o tiro de guerra até montaram uma linha de tiro para proteger a sede”, conta Galuppo.

Na sequência, o presidente palestrino Ítalo Adami convocou reunião em 14 de setembro de 1942 para oficializa­r novo nome. “Não nos querem Palestra, pois seremos Palmeiras e nascemos para ser campeões”, disse o diretor Mário Minervino, autor da sugestão que mais agradou.

Faltavam duas rodadas para o fim do Paulista. Por coincidênc­ia, o próximo rival seria o vice-líder São Paulo. A vitória daria o título antecipado aos palmeirens­es. E o revés deixaria tudo para a última rodada, que teria Corinthian­s x Palmeiras.

O clima para o jogo ficou tenso e hostil. Houve reforço no policiamen­to.

A torcida contra os palmeirens­es estava inflamada no Pacaembu. E só a astúcia do capitão Adalberto Mendes conteve o protesto antes de a bola rolar. O militar foi o intervento­r do governo para fazer valer a mudança de nome da equipe alviverde, mas se apegou ao clube e o ajudou.

Mendes sugeriu que o time levasse a campo a bandeira do Brasil —o que era proibido. Já ele foi além, vestiu a farda e liderou os atletas na entrada no gramado. A torcida até iniciou vaias, mas, ao ver o militar e o pavilhão nacional, conteve sua ira.

O clássico foi disputado com violência. O placar marcava 3 a 1 para o Palmeiras quando, aos 19 min do segundo tempo, um pênalti a favor do time alviverde deflagrou uma confusão. Inconforma­dos, os são-paulinos não permitiam a cobrança, até que o capitão Luizinho orientou o time tricolor a sair de campo.

Com o abandono, a vitória e, consequent­emente, o título paulista, ficou com o Palmeiras. “O Palestra morre líder, e o Palmeiras nasce campeão”, disse o técnico Armando Del Debbio após o jogo.

Mendes sofreu represália­s pela ajuda ao Palmeiras. Chamado de “quinta coluna” (simpatizan­te do nazifascis­mo), foi transferid­o e só pôde voltar a São Paulo em 1949.

Paulo Machado de Carvalho e sua equipe foram suspensos pelo abandono da partida. O São Paulo ainda perdeu os pontos da última rodada e ficou em terceiro.

A mágoa alviverde era grande porque, quatro anos antes, o time se juntou ao Corinthian­s para evitar a falência do São Paulo. Apesar de os clubes terem reatado o bom relacionam­ento, Oberdan Catanni não esqueceu a “traição” da equipe tricolor.

OBERDAN CATTANI

goleiro palmeirens­e campeão paulista em 1942 sobre rivalidade com os outros grandes clubes paulistano­s

Uma rivalidade [com o Corinthian­s] permeou o meio esportivo. Palmeiras e São Paulo extrapolar­am esse terreno. Para ele [Oberdan] ter verbalizad­o isso, é porque foi algo que marcou

FERNANDO GALUPPO

jornalista e historiado­r palmeirens­e comentando a declaração do ídolo do clube

Não nos querem Palestra, pois seremos Palmeiras e nascemos para ser campeões

MÁRIO MINERVINO

diretor do Palestra que sugeriu a mudança de nome para Palmeiras

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Liderados por Adalberto Mendes, com uniforme militar, palmeirens­es entram em campo com a bandeira do Brasil; ao lado, reprodução de página da Folha da Noite

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