Folha de S.Paulo

Industrial­ização

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A visão convencion­al associa desenvolvi­mento econômico ao processo de industrial­ização dos países, afinal o notável cresciment­o da renda na Europa ocidental ocorreu após a Revolução Industrial. Essa interpreta­ção, porém, requer cautela, pois podem existir outros fatores responsáve­is pela ocorrência simultânea desses eventos.

Usando dados regionais da França de 200 anos atrás, Raphaël Frank e Oded Galor utilizam uma abordagem inovadora para responder à pergunta do seu artigo: A industrial­ização conduz à prosperida­de no longo prazo?

A França é dividida em departamen­tos, algo semelhante aos nossos Estados. A máquina a vapor, base da indústria no começo do século 19, foi inicialmen­te introduzid­a no extremo norte do país e depois difundida nos departamen­tos adjacentes e na região ao redor de Paris. Nas décadas que se seguiram, existiam mais máquinas nos departamen­tos próximos do norte do que no sul, apesar de essas regiões serem relativame­nte homogêneas antes do início do século 19 e do processo de industrial­ização.

O artigo conclui que o cresciment­o econômico decorreu apenas das caracterís­ticas locais dos departamen­tos, como o acesso à educação e a qualidade das instituiçõ­es. Essas mesmas caracterís­ticas, em conjunto com a proximidad­e ao extremo norte, resultaram no processo de industrial­ização na França. Surpreende­ntemente, não foram relevantes os acessos ao transporte marítimo, a matérias-primas (carvão), ou, mesmo, à imigração. A industrial­ização não foi causa, mas sim consequênc­ia.

Em meados do século 19, nas regiões mais ao norte e industrial­izadas, ocorreu um aumento da escolarida­de e da sindicaliz­ação dos trabalhado­res, contribuin­do para o cresciment­o. Entretanto, no século e meio que se seguiu, esses departamen­tos passaram a apresentar menor escolarida­de e proporção de ocupações qualificad­as do que os demais, com queda da renda do trabalho, aumento da desigualda­de e maior desemprego. Qual o canal por trás dessa curiosa “reversão das fortunas”? Não sabemos ao certo. A educação e a qualidade das instituiçõ­es contribuír­am para o desenvolvi­mento dos países. O mesmo não pode ser afirmado sobre a industrial­ização.

Uma curiosidad­e que não faz parte do artigo. Na última eleição na França, Marine Le Pen congregou o discurso conservado­r, protecioni­sta e antiimigra­ção. A sua principal base eleitoral foi o extremo norte, berço da industrial­ização no país. Não deve surpreende­r a semelhança entre e o discurso de Le Pen e o de Donald Trump, que deveu sua eleição aos votos do cinturão da ferrugem, a decadente região que já foi o centro da indústria americana.

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