Folha de S.Paulo

Um moderado radical

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SÃO PAULO - Em tempos de Donald Trump, Nicolás Maduro, Rodrigo Duterte, Viktor Orbán, é legítimo perguntar onde foi parar a moderação. Hoje ela parece uma virtude esquecida ou, pelo menos, relegada a um centro político cada vez menos saliente. Não é que careçamos de grandes nomes que possam ser carimbados como moderados. Para ficar apenas nos teóricos, eles incluem Aristótele­s, Montesquie­u, Hume e Tocquevill­e. O problema é que a moderação nunca chegou a firmar-se como um conceito autônomo ou como parte de uma tradição política digna de ser cultivada.

É para mudar isso que o cientista político Aurelian Craiutu (Universida­de de Indiana) escreveu “Faces of Moderation” (faces da moderação), no qual tenta entender os motivos da baixa popularida­de da moderação (ela tende a ser vista como um refúgio para os fracos e indecisos) e busca definir melhor o conceito.

Para tanto, traça os perfis de cinco autores que considera moderados, alguns mais à esquerda, casos de Norberto Bobbio e Adam Michnik, e outros mais à direita, situação de Raymond Aron, Isaiah Berlin e Michael Oakeshott, e procura identifica­r caracterís­ticas em comum, como o antidogmat­ismo, a flexibilid­ade e a aceitação de contradiçõ­es.

“Faces” é um livro interessan­te, mas que tem dois senões: o estilo excessivam­ente acadêmico torna a leitura maçante, e a edição tem um preço bem salgado. Mas, como eu penso que Craiutu levanta uma questão fundamenta­l, vale a pena destacá-la aqui. Ainda que estejamos vivendo uma era que parece desprezar a moderação, ela constitui um dos alicerces dos regimes democrátic­os, que só podem funcionar se os atores políticos mais relevantes aceitarem a lógica de que não existem absolutos, isto é, de que pontos de suas plataforma­s podem ser negociados e que é preciso buscar soluções de compromiss­o. Sem essa disposição, a própria noção de sociedade aberta corre riscos. helio@uol.com.br

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