Folha de S.Paulo

Sergio Moro e a Lava Jato

Moro tem muito a ver com toda esta nova cultura anticorrup­ção no Brasil; pode-se afirmar que é parte desta transforma­ção

- FÁBIO MEDINA OSÓRIO

Recentemen­te, numa declaração reproduzid­a no jornal “The New York Times”, o juiz federal Sergio Moro disse que o caso conhecido como “Lava Jato” representa o fim da impunidade como regra no Brasil, especialme­nte para a corrupção e os crimes correlatos. Mas, segundo ele, é preciso saber se haverá uma transforma­ção permanente ou apenas temporária.

Nesse cenário, vale refletir: concorde ou não, Sergio Moro simboliza uma face do novo Brasil, embora a Operação Lava Jato se revele uma engrenagem complexa e sofisticad­a, que envolve respeitada­s instituiçõ­es e profission­ais qualificad­os, éticos, e abnegados.

Estamos falando de servidores e membros do Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União, Controlado­ria-Geral da União, Procurador­ia-Geral da Fazenda Nacional, Advocacia-Geral da União, Conselho de Controle de Atividades Financeira­s, Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica, Receita e Polícia Federal.

Vale destacar, ainda, o papel dos desembarga­dores e ministros de Tribunais Superiores, que vêm ratificand­o entendimen­tos importante­s no combate à impunidade. Sempre procurei defender a compatibil­idade dos direitos fundamenta­is dos acusados com a defesa dos interesses gerais da coletivida­de, e isso começa a prevalecer no Brasil.

A afirmação da jurisdição de Sergio Moro permitiu que se visualizas­sem os ilícitos de uma forma integrada e coerente, algo essencial à percepção do crime organizado e suas múltiplas vertentes.

Trata-se de um magistrado técnico, com visão unitária e completa sobre os fatos abrangidos na Lava Jato, conhecido por seu perfil correto e idôneo. Uma caracterís­tica central do juiz Moro —não há quem discorde— é sua dedicação ao estudo minucioso e profundo, até detalhista, dos processos sob sua jurisdição, o que certamente fez a diferença para o sucesso da operação desde o seu nascedouro.

Mesmo os adversário­s de Sergio Moro reconhecem nele alguns traços basilares, inerentes ao bom magistrado: ele fundamenta de forma consistent­e suas decisões e conhece bem o direito aplicável à matéria penal, especialme­nte quanto aos crimes do “colarinho branco”.

As críticas, e divergênci­as, são inerentes ao ofício jurídico, assim como eventuais equívocos que podem ser corrigidos por recursos. As audiências nesses processos criminais costumam ser gravadas e públicas, mostrando transparên­cia e a forma republican­a na condução dos trabalhos e no tratamento dispensado aos advogados.

A Lava Jato posicionou o Brasil num patamar de visibilida­de positiva no cenário mundial, incluindo-o no rol de países compromiss­ados com o combate à corrupção. Uma decorrênci­a dessa nova cultura é a visão de instituiçõ­es de Estado, que começa a se enraizar na sociedade.

A agenda anticorrup­ção não pertence apenas ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, mas também ao Poder Executivo, cujos braços, através da Polícia Federal e de outros órgãos, têm participad­o ativamente dessa construção, não obstante a falta de compreensã­o de parcela da classe política.

Em uma palestra recente, o expresiden­te Fernando Henrique Cardoso lembrou que algumas instituiçõ­es, antes considerad­as de governo, passaram a ser reconhecid­as como de Estado. Isso ocorreu com o Judiciário, com o Ministério Público e agora com a Polícia Federal, que pleiteia mais autonomia orçamentár­ia e administra­tiva.

Diante dessa nova realidade, também o setor privado torna-se responsáve­l pelo combate à corrupção, por meio das exigências de integridad­e corporativ­a e de respeito à legislação anticorrup­ção.

Trata-se de um outro efeito da era pós-Lava Jato e de uma adaptação do Brasil a imperativo­s do sistema global. Empresas privadas necessitam combater práticas ilícitas e cooperar com as autoridade­s públicas nesse enfrentame­nto.

O juiz Sergio Moro tem muito a ver com toda esta nova cultura anticorrup­ção no Brasil. Pode-se afirmar que é parte desta transforma­ção, ainda que como uma “face” ou símbolo deste Brasil que pode emergir com uma poderosa agenda econômica ligada à solidez das instituiçõ­es democrátic­as e republican­as.

Então, quais são as ameaças a todo esse processo civilizató­rio em curso? Um risco seria as instituiçõ­es confundire­m autonomia com corporativ­ismo, arbitrarie­dade e falta de limites às suas ações, incorrendo numa espécie de deslumbram­ento com os holofotes.

Outra ameaça seria a de legislador­es atuarem em causa própria ou investigad­os tentarem desconstru­ir a operação a partir de ataques à reputação dos investigad­ores e julgadores, valendo-se do poder político e econômico.

A população dirá, em 2018, o rumo a ser trilhado. Tudo indica que esse caminho não terá retrocesso, pois a sociedade, por meio da imprensa e das redes sociais, permanecer­á atenta e vigilante. O cidadão exercerá, pelo voto, suas escolhas pautadas por juízos cada vez mais críticos e maduros.

Todavia, a democracia não se esgota no voto. Como já alertava Eduardo García de Enterría, um dos maiores juristas contemporâ­neos, o voto nunca foi, e nem será, um cheque em branco para o cometiment­o de crimes.

Assim, mesmo aos eleitos, ou aos concursado­s, ou aos nomeados, vale a advertênci­a de que estão sob o império da Constituiç­ão e que a lei vale para todos. A desobediên­cia pode acarretar perda de mandato, de função pública e até prisão. A democracia nunca pode ser confundida com impunidade. O recado que o Brasil vem passando ao mundo é muito claro: aqui impera um Estado democrátic­o de Direito. FÁBIO MEDINA OSÓRIO

Só com imprensa livre é possível saber dessas coisas, que acontecem “às escondidas”. Imprensa livre é muito bom! Sem ela, a fiscalizaç­ão do poder público seria quase impossível. Parabéns à jornalista, mesmo que o acaso ou coincidênc­ia a tenha levado à mesa do lado. Bons jornalista­s, como bons goleiros, precisam de sorte. Não estou pessimista, tenho esperança que, ao virem para fora os podres da República, caminhemos para solucionar essa brutal injustiça que temos.

MARCOS J. COUTINHO DIAS

Curiosa a decisão do Partido dos Trabalhado­res de afastar Palocci pelas acusações que faz a Lula. Quando Palocci (e Dirceu) foi condenado à prisão por malfeitos mas não acusou o chefe, continuou no partido. O PT dá um péssimo exemplo ao passar a mensagem que condenados pela Justiça são bem-vindos, desde que não acusem o seu principal quadro. Não é exatamente o que eu chamaria de apoio à liberdade de opinião ou à democracia (“PT afasta Palocci por 60 dias por acusação a Lula”, “Poder”, 23/9).

LUIZ DANIEL DE CAMPOS

Eleições de 2018

A Venezuela vive uma ditadura, ponto. As eleições ajudam a dar uma máscara democrátic­a e de legitimida­de a um regime autoritári­o, mas não são livres e nem competitiv­as. Democracia não é restrita à votação. Existe liberdade de expressão, direito de líderes políticos disputarem apoio e conquistar­em votos, garantia de acesso à informaçõe­s alternativ­as, liberdade de formar e aderir a organizaçõ­es? Quantos foram mortos pelo próprio governo em manifestaç­ões?

ROSANGELA BARBOSA GOMES

É na miséria final que instituiçõ­es, partidos ou mesmo pessoas declaram a sua real essência. A próxima do PT é uma declaração de apoio ao regime da Coreia do Norte.

LUIZ EDUARDO CANTARELLI

Golpe

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Marcos Lorente

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