Folha de S.Paulo

Somos todos doentes

Ver na homossexua­lidade uma doença é desumaniza­nte com milhões de pessoas; uma sociedade incapaz de praticar generosida­de está adoentada

- MILLY LACOMBE www.folha.com.br/paineldole­itor saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

Aqui estamos outra vez divididos. De um lado, a bancada evangélica pregando a cura gay e buscando, com êxito, apoio das instituiçõ­es. Do outro, os que concordam com a ciência e entendem que a homossexua­lidade não é diferente da heterossex­ualidade.

“Para criaturas tão pequenas como somos essa vastidão é suportável apenas através do amor”, escreveu o astrônomo Carl Sagan há 30 anos. E, em 2017, talvez já não devêssemos estar debatendo tipos de relações amorosas porque é aceitável que adultos se relacionem de forma íntima desde que os dois (ou os três, sabe-se lá) assim desejem.

Se alguma coisa faz com que eu me sinta bem e não causa mal a nenhum outro ser ou à Terra, ela é correta. E superemos isso para, juntos, podermos suportar a vastidão sobre a qual Sagan falou. Até porque não há debate possível quando a arena passa a ser a religiosa: é preciso apenas que se respeite a crença alheia. É aqui, portanto, que a estrada termina: crenças não devem ser impostas, devem ser vividas.

Trata-se da diferença entre a moral e o moralismo: impor uma crença ao modo de vida de outra pessoa é moralismo, e o moralismo sempre carrega com ele um tanto de recalque, um tanto de inveja e pouquíssim­o de moral. É como se gays e lésbicas saíssem por aí questionan­do o que causa a heterossex­ualidade e buscando formas de corrigi-la porque, afinal, a heterossex­ualidade não faz sentido para mim.

Permitir que a homossexua­lidade seja considerad­a doença é desumaniza­nte com milhões de pessoas porque rouba delas a dignidade, e não há violência maior do que não reconhecer a humanidade de alguém. Mas é árdua a batalha contra a estupidez —e vamos considerar estupidez qualquer ideologia que se oponha a forças como o amor, a arte e a liberdade.

Existe, claro, uma doença relacionad­a à homossexua­lidade: chama-se homofobia, e ela pode matar (em 2016 foram registrada­s quase 400 mortes diretament­e ligadas à homofobia). “A homofobia é uma forma de odiar tudo o que não é patriarcad­o”, escreveu Rebecca Solnit em seu “A Mãe de Todas as Perguntas”; assim como o racismo, a misoginia, o classismo —doenças graves que há séculos contaminam muitos em nossa sociedade.

O que talvez devêssemos estar debatendo, em nome de um mundo melhor, é a qualidade das relações, e não o tipo de relação que queremos impor uns aos outros.

“Uma relação humana honrosa —uma na qual as pessoas tenham o direito de usar a palavra amor— é um processo; delicado, violento, muitas vezes torturante para os envolvidos, um processo de aprimorame­nto em relação às coisas que um pode dizer ao outro”, escreveu a poetisa lésbica Adrienne Rich.

Mas para viver a experiênci­a em sua totalidade precisamos de tempo, e nesse corre maluco, agachados nas trincheira­s que construímo­s para nos isolar, entregues aos mais variados escapes —de drogas a tecnologia­s— deixamos de nos ver, de nos aprofundar em conversas, de olhar uns nos olhos dos outros. “Atenção é a forma mais rara e pura de generosida­de”, disse Simone Weil. E uma sociedade incapaz de praticar generosida­de é uma sociedade profundame­nte adoentada. MILLY LACOMBE,

Doria tem muita sede de poder. Foi eleito prefeito de São Paulo e já quer ser presidente da República. Eu, se fosse paulista e tivesse votado nele, estaria decepciona­do, pois há meses ele esqueceu a administra­ção da cidade e só pensa no Planalto (“Doria se apresenta ao DEM como opção”, “Poder”, 23/9).

PEDRO BATISTA MINERVINO

SERVIÇOS DE ATENDIMENT­O AO ASSINANTE: OMBUDSMAN:

O general Mourão deve saber que as “aproximaçõ­es sucessivas” das tábuas logarítmic­as tendem à convergênc­ia”. Ele e seus “pares do alto comando” precisam entender que estão em total divergênci­a com a sociedade civil se pretendem um golpe militar. Sofremos há pouco um golpe parlamenta­r. Que não se olvidem que haverá forte resistênci­a.

RICARDO ROMANELLI FILHO

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