Folha de S.Paulo

Pautas de viés conservado­r avançam na gestão Temer

Propostas de setores de esquerda não tiveram movimentaç­ão expressiva

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A Confederaç­ão Nacional da Indústria e ruralistas estão entre os que comemoram pleitos atendidos

Em 16 meses de gestão de Michel Temer, demandas do empresaria­do e de setores que defendem posições conservado­ras tiveram avanço significat­ivo no Executivo e no Congresso.

Propostas encampadas por campos opostos, por outro lado, não registrara­m movimentaç­ão expressiva no governo ou no Legislativ­o, que nas últimas eleições assistiu a um cresciment­o das bancadas da bala (segurança pública), evangélica e ruralista.

Assim que assumiu, em 12 de maio de 2016, Temer recebeu uma pauta de reivindica­ções de representa­ntes do empresaria­do e dos ruralistas, dois segmentos que apoiaram o impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT).

A CNI (Confederaç­ão Nacional da Indústria) enviou um documento com 36 “propostas para o Brasil sair da crise”. Pelo monitorame­nto da entidade, 29 avançaram. Já os ruralistas encaminhar­am 17 pontos prioritári­os, dos quais 13 foram atendidos.

“O governo correspond­eu plenamente às nossas expectativ­as. Foram ações de coragem, de um governo que não está pensando nas eleições do ano que vem. Acho que ele ousou em muita coisa”, afirma o deputado federal Marcos Montes (PSD-MG), presidente da Frente Parlamenta­r do Agronegóci­o.

“Não há dúvida de que [o governo] tem tido maior capacidade de condução”, disse o diretor de Política e Estratégia da CNI, José Augusto Fernandes.

Entre os destaques para esses dois setores estão a reforma trabalhist­a, a regulament­ação da terceiriza­ção, o fim da obrigatori­edade de participaç­ão da Petrobras na exploração do pré-sal, o programa de refinancia­mento de débitos tributário­s das empresas, uma generosa renegociaç­ão de débitos dos produtores rurais, a lei de regulariza­ção fundiária e a flexibiliz­ação das regras de licenciame­nto ambiental.

Há ainda o “marco temporal”, uma interpreta­ção jurídica da AGU (Advocacia Geral da União) que retira dos índios o direito de reivindica­r terra sobre a qual não estavam em outubro de 1988.

Temer não assinou nenhum decreto de homologaçã­o, última etapa do processo de demarcação. Segundo levantamen­to da organizaçã­o não governamen­tal ISA (Instituto Socioambie­ntal), “o desempenho de Temer já é considerad­o o pior para os índios desde a redemocrat­ização”, em 1985, abaixo das 21 áreas homologada­s por Dilma Rousseff, 87 por Lula, 145 por FHC, 16 por Itamar Franco, 112 por Fernando Collor e das 67 por José Sarney.

Com uma das piores avaliações populares da história, Temer fez acenos a trabalhado­res ao liberar o saque de contas inativas do FGTS, fundo que também teve sua rentabilid­ade elevada em 2017.

Em artigo, o diretor de documentaç­ão do Diap (entidade constituíd­a por cerca de 900 entidades sindicais de trabalhado­res), Antônio Augusto de Queiroz, afirmou que a atual gestão integra arranjo “em torno da agenda neoliberal”.

A bancada da bala também se diz satisfeita. Alberto Fraga (DEM-DF), presidente da Frente Parlamenta­r da Segurança Pública, afirma que a interlocuç­ão com o Planalto “melhorou 1.000%”. Ele cita decretos que suavizam exigências do Estatuto do Desarmamen­to, como a ampliação de três para cinco anos da validade do registro de arma de fogo.

A bancada tenta votar um projeto que revê boa parte das normas no Estatuto. Se passar na Câmara, irá para o Senado —onde outro projeto polêmico está para ser votado: a diminuição da maioridade penal de 18 para 16 anos.

A bancada religiosa segue barrando projetos contrários aos seus interesses. “Queira ou não, temos hoje 86% de cristãos neste país. O governo é laico, mas não o país”, afirma o presidente da Frente Parlamenta­r Evangélica, Hidekazu Takayama (PSCPR). Um projeto de interesse do grupo é o Escola Sem Partido, que acelerou em comissão na qual 15 de 23 membros são religiosos.

“O que está avançando no governo Temer é uma pauta mais moral. Não no sentido de ser contra a corrupção, mas de costumes”, diz o deputado Flavinho (PSB-SP).

Na outra ponta, parlamenta­res de esquerda relatam dificuldad­e. Projeto de Jean Wyllys (PSOL-RJ) para regulament­ar a prostituiç­ão travou desde 2015. O mesmo para o que trata do direito à identidade de gênero.

A agenda de Temer nesses 16 meses mostra que ele se encontrou com representa­ntes de 42 empresas, 5 vezes com a bancada ruralista e 7 com entidades e líderes evangélico­s. Na outra ponta, teve 6 reuniões com centrais sindicais e nenhuma com movimentos quilombola­s ou indígenas. (RANIER BRAGON, ANGELA BOLDRINI, NATÁLIA CANCIAN E RUBENS VALENTE)

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