Folha de S.Paulo

Muito além dos muros

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A FOLHA cresceu tendo como concorrent­e “O Estado de S. Paulo”. Por moldagem ou antinomia, um jornal marcou o outro. O “Estado” tem raízes tradiciona­is; a Folha assumiu o papel de jornal moderno.

Nesta semana, uma peça jornalísti­ca de grande qualidade lembrou que a concorrênc­ia não se resume mais ao jornal do outro lado da marginal ou ao da metrópole vizinha.

Em reportagem de três páginas, que ocupou um quarto da primeira página de sua versão impressa de domingo, 17, o jornal americano “The New York Times” mostrou por que é referência mundial.

Sob o título “Como a grande indústria viciou o Brasil em junk food”, construiu uma grande reportagem a partir de documentos de empresas, estudos epidemioló­gicos e relatórios governamen­tais.

Desde a abertura, é um exemplo de excelência:

“FORTALEZA, Brasil - Gritos de crianças soavam na manhã quente e úmida, enquanto uma mulher empurrava um carrinho branco e reluzente pelas ruas esburacada­s e repletas de lixo espalhado. Ela fazia entregas em algumas das casas mais pobres desta cidade litorânea, levando sobremesas lácteas, biscoitos e outros alimentos industrial­izados aos clientes em seu trajeto.

Celene da Silva, 29, é uma de milhares de revendedor­as porta a porta da Nestlé que ajudam o maior conglomera­do de alimentos industrial­izados do mundo a expandir seu alcance para 250 mil casas nos recantos mais longínquos do país.

Enquanto entregava várias embalagens da sobremesa láctea Chandelle, de Kit-Kats e do cereal infantil Mucilon, algo chamava a atenção sobre seus clientes: muitos estavam visivelmen­te acima do peso, incluindo as crianças pequenas.”

Em geral, o leitor brasileiro se acostumou a ver seu país refletido em jornais estrangeir­os com informaçõe­s que já circularam na imprensa local. Esse tempo passou.

A reportagem impecável enfoca ângulo não abordado pela imprensa nacional. Mostra como a indústria contribui para epidemia de obesidade. Explicita meandros do poder brasileiro, como a escolha de um advogado das indústrias para ocupar agência que deveria fiscalizá-la.

De olho no mercado nacional, o jornal americano disponibil­izou, em seu site, uma versão em português da reportagem que faz parte de série sobre a epidemia de obesidade.

Sugeri na critica interna de segunda (18) que a Folha a reproduzis­se em suas páginas, já que tem contrato que permite reproduzir textos do jornal. Só foi publicada no dia 21, em sua versão digital, e no 22, naimpressa. Não tentou repercuti-la nem buscou enfoque próprio.

O mercado brasileiro tem sido cobiçado por empresas jornalísti­cas de porte mundial. O espanhol “El País” apostou em uma alentada versão brasileira no mundo digital. A BBC Brasil ampliou seu serviço em Ombudsman tem mandato de 1 ano, renovável por mais 3, para criticar o jornal, ouvir os leitores e comentar, aos domingos, o noticiário da mídia. língua portuguesa. Ambos são constantem­ente citados por leitores.

Nas mensagens à ombudsman, indicam reportagen­s desses grupos de mídia, com temas e enfoques diferentes daqueles escolhidos por veículos brasileiro­s, para comparar àquelas produzidas pela Folha. A concorrênc­ia global é um desafio.

Folha, com certeza, é referência para o trabalho de correspond­entes estrangeir­os no Brasil. Agora, no entanto, se vê assediada por produtos jornalísti­cos de peso em seu próprio quintal.

Não dá para dizer que esteja parada. Desde 2013, a Folha tem feito investimen­to em grandes reportagen­s multimídia inspiradas no que o “New York Times” faz.

A primeira delas, por exemplo, sobre a usina de Belo Monte, recebeu vários prêmios internacio­nais.

Neste mês, o jornal encerrou outra série de reportagen­s ambiciosa, chamada Mundo de Muros. Publicada desde junho, explorou barreiras físicas construída­s em quatro

Acontinent­es, por motivos como miséria, desemprego, terrorismo e guerra, revelando situações pouco conhecidas do público brasileiro.

A produção da série se estendeu por seis meses e envolveu 22 pessoas. Foram sete viagens, cada uma delas com uma dupla repórter de texto/repórter fotográfic­o. Segundo Roberto Dias, secretário de Redação da Folha, teve boa audiência e alto engajament­o de leitura.

Não é algo que se veja com frequência nos jornais brasileiro­s.

Do ponto de vista dos leitores em geral, a competição internacio­nal parece ser o melhor dos mundos. Um jornalista decano, no entanto, vê na movimentaç­ão riscos de consolidaç­ão de um oligopólio mundial de notícias, diminuindo espaços da imprensa brasileira.

Por mais problemas que tenha, a imprensa brasileira está vinculada aos problemas do país e os aborda a partir da perspectiv­a nacional. Grupos de mídia estrangeir­os com preocupaçõ­es globais trafegam em outro nível de abordagem. Nem sempre melhor, nem sempre pior.

Novos tempos, sem muros digitais, impõem desafios gigantesco­s. Fale com a Ombudsman: ombudsman@grupofolha.com.br / tel.: 0800 015 9000 (2ª f a 6ª f, das 14h às 18h) / Fax: (11) 3224-3895

Sem fronteiras digitais, concorrent­es da Folha não estão só ao lado; desafio é encarar os jornais globais

 ?? Avener Prado/Folhapress ?? Fotografia­s publicadas no especial ‘Mundo de Muros’; na sequência, muros na fronteira entre México e EUA, na capital peruana e na Alameda Dino Bueno, no centro de São Paulo
Avener Prado/Folhapress Fotografia­s publicadas no especial ‘Mundo de Muros’; na sequência, muros na fronteira entre México e EUA, na capital peruana e na Alameda Dino Bueno, no centro de São Paulo

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