Folha de S.Paulo

Lava Jato muda rotina de força-tarefa no RS

Grupo de procurador­es que atuará em processo do ex-presidente Lula trabalha nos recessos para acelerar casos

- JOSÉ MARQUES

Integrante­s trabalham em apelações na 2ª instância e têm se posicionad­o contra suspeição de Moro

Quando o juiz Sergio Moro despachou pela condução coercitiva do ex-presidente Lula, em fevereiro de 2016, a procurador­a Maria Emília da Costa Dick, 46, teve que trabalhar do hospital, um dia depois do nascimento da sua filha.

Integrante do grupo do Ministério Público Federal em Porto Alegre que atua na segunda instância da Lava Jato, ela viu o e-mail se encher de mensagens da força-tarefa de Curitiba. Do leito, repassou as informaçõe­s aos colegas.

“A Joana nasceu antes do prazo e eu tive que ir para o hospital. Não pude avisar a Curitiba e os guris mandavam todos os pedidos para mim, porque era possível que alguém pedisse habeas corpus”, diz à Folha, na sede da PRR4 (Procurador­ia Regional da República da 4ª Região).

O grupo de Porto Alegre tem trabalhado em momentos de folga com frequência, conforme os casos de maior repercussã­o ganham sentença de Moro e chegam ao TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).

Avessos a entrevista­s e mais discretos que a força-tarefa de Curitiba, os seis integrante­s entraram no Ministério Público no concurso de 1996. Quatro trabalhava­m no combate à lavagem de dinheiro em primeira instância.

Eles reveem os autos e se posicionam, como Ministério Público Federal, nas ações que chegam ao tribunal.

É da PRR-4 o próximo passo do processo de Lula no caso do tríplex de Guarujá (SP). O órgão apresentar­á manifestaç­ão antes de o processo chegar ao gabinete do juiz relator, João Pedro Gebran Neto.

A peça, que será elaborada pelo procurador Maurício Gotardo Gerum, 48, deve ser apresentad­a em 5 de outubro.

Esse é o prazo final previsto no processo eletrônico, de 20 dias após a intimação — embora a Procurador­ia Regional não precise necessaria­mente seguir esse prazo e, a rigor, não tem seguido. Até agora, a média de entrega das manifestaç­ões da Lava Jato pela PRR-4 é de 45 dias.

“Esse é um processo difícil, que envolve uma questão política”, diz Maria Emília. “Nossa postura é de fazer tudo de forma mais rápida, dentro da lei, sem esticar e sem diminuir o prazo. Fazer tudo exato. Não podemos dar nenhuma conotação política, porque é isso o que eles [a defesa] buscam: sempre dar uma conotação política quando o nosso trabalho é técnico.”

A procurador­a atuou no caso do ex-ministro José Dirceu, condenado a 20 anos de prisão em junho do ano passado e solto por habeas corpus do STF (Supremo Tribunal Federal) em maio. A manifestaç­ão do Ministério Público em segunda instância foi entregue em janeiro. O julgamento começou em 13 de setembro, mas foi paralisado por um pedido de vista.

“Trabalhamo­s durante todo o recesso nesse processo MARIA EMÍLIA DA COSTA DICK Procurador­a regional da República e entreguei. Depois, quando soltaram o Dirceu, o [ministro Ricardo] Lewandowsk­i deu a entender que o processo estava demorado. Gente, se você comparar com o outro TRF, ninguém julga mais rápido que o nosso”, afirma.

“Daí eu falei para o Gebran: ‘Graças a Deus que eu entreguei aquilo. Imagina se fosse comigo, iam dizer que estava havia muito tempo com o Ministério Público’.”

Além de manifestaç­ões nos autos, os procurador­es participam das sessões da oitava turma do TRF, composta por Gebran e outros dois juízes, responsáve­l pela Lava Jato.

Tanto Gebran como Moro já foram alvos de pedidos de suspeição da defesa de Lula e de outros réus da operação, com aval contrário da PRR-4.

Na manifestaç­ão de uma queixa-crime da defesa de Lula contra Moro, a procurador­a Ana Luísa Von Mengden, 47, chegou a reclamar do tratamento feito pelos advogados aos juízes, sugerindo a possibilid­ade de processo pelos crimes de injúria e calúnia.

“O representa­nte usa de expressões grosseiras e vulgares para descrever o que trata como fatos, ofendendo a honra do magistrado federal Sergio Fernando Moro e do desembarga­dor federal João Pedro Gebran Neto (...) reu- nindo suposições em sequência ilógica e desconexa, tecendo, ao final, ilações com o nítido propósito de promover ataque pessoal”, escreveu. DESTAQUE Ao contrário da força-tarefa de Curitiba, os procurador­es da PRR-4 não são exclusivos da Lava Jato. Um dos membros, Adriano Augusto Silvestrin Guedes, 47, também atua na Operação Carne Fraca —e ainda se espanta com o tamanho da repercussã­o dos casos em que tem trabalhado.

“Esses dias eu estava assistindo ao jornal em casa e falaram da Carne Fraca e depois do [Aldemir] Bendine. As duas estavam comigo”, ri.

O aumento dos casos de destaque nas mãos da PRR-4 foi levada em conta pela atual procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, então candidata ao cargo, que iniciou sua campanha em Porto Alegre. Segundo os procurador­es, ela disse que o grupo da Lava Jato seria mantido.

O holofote também fez os seis passarem a solicitar segurança institucio­nal em julgamento­s de repercussã­o.

Uma atuação passada de Maria Emília só repercutiu nacionalme­nte após a própria Lava Jato: a Operação Sucuri, que apurava facilitaçã­o de contraband­o com a participaç­ão de policiais federais. Entre os alvos estava Newton Ishii, conhecido como Japonês da Federal.

“Quando começaram a falar do Japonês da Federal, pensei: de onde conheço esse nome? Fui olhar”, diz, e bate na mesa como quem tem uma epifania: “Meu réu! O Japonês da Federal era meu réu.”

Nossa postura é de fazer tudo sem esticar e sem diminuir o prazo. Não podemos dar nenhuma conotação política, porque é isso o que eles [a defesa de Lula] buscam: sempre dar uma conotação política quando o nosso trabalho é técnico

 ?? Sylvio Sirangelo/TRF4 ?? A procurador­a regional da República Maria Emília da Costa Dick, da Lava Jato no RS
Sylvio Sirangelo/TRF4 A procurador­a regional da República Maria Emília da Costa Dick, da Lava Jato no RS

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil