Folha de S.Paulo

Campo em Gana oferece ‘purificaçã­o’ para bruxas

Local acolhe mulheres perseguida­s por doença de filhos, colheita e assédio

- BRUNA TIUSSU

Crenças antigas disseminad­as no país estimulam agressões e humilhação; projeto reintegra moradoras FOLHA

Não é preciso muito para uma mulher ser considerad­a bruxa em Gana.

Ela pode ser acusada de ter poderes malignos caso um filho morra ou apresente indícios de doenças tão corriqueir­as no país quanto cólera, malária e sarampo. Quando a terra da família não dá uma boa colheita, a culpa talvez recaia sobre ela. E se um homem casado demonstra interesse, quem disse que ela não lançou um feitiço contra ele?

Crenças antigas persistem e fazem vítimas dia após dia no país da África Ocidental, sobretudo na região norte, menos desenvolvi­da.

É na cidade de Gambaga — a 150 quilômetro­s de Tamale, a capital do norte de Gana — que muitas dessas mulheres buscam proteção, em um acampament­o com mais de cem anos de existência.

“Ao invés de acampament­o, preferimos chamá-lo de lar. Porque aqui elas se sentem acolhidas”, explica Jacob Wandusim, ministro da Igreja Presbiteri­ana de Gana. A entidade é responsáve­l pelo Gambaga Outcast Home Project (GOHP), que desde 1994 promove ações em prol do bem-estar socioeconô­mico das mulheres ali instaladas.

O refúgio de Gambaga é o mais antigo e o maior dos quatro ainda em atividade na região, o que explica o intenso fluxo de mulheres. Hoje, há 79 vivendo ali, mas nos anos 80 elas já somaram 250.

Quando acusadas de bruxaria, muitas sofrem agres- sões físicas dos familiares e são expulsas de casa só com a roupa do corpo. O resto de seus pertences são queimados. De mãos vazias e machucadas, elas tentam chegar ao acampament­o mais próximo atrás de purificaçã­o e refúgio. BRIGA COM A CUNHADA Dez anos atrás, Mawa, uma septuagená­ria, caminhou mais de 20 quilômetro­s de seu antigo vilarejo até Gambaga. Ela havia sido considerad­a bruxa após uma discussão com sua cunhada, que, poucos dias depois, morreu.

Para permanecer no acampament­o, Mawa teve de pedir permissão ao chefe de Gambaga. É assim até hoje. Mesmo quem deseja apenas visitar o lugar deve ter a autorizaçã­o do chefe (uma contribuiç­ão financeira também é esperada), líder religioso presente na maioria das cidades e vilarejos do norte de Gana.

Depois de aceitas, as mu- lheres são submetidas a um ritual de purificaçã­o comandado pelo Gambagaran­a, outro líder local com poder hereditári­o de exorcizar espíritos malignos. Detalhes do processo, que envolve ervas e o sacrifício de um frango, são mantidos em segredo.

“Muitas chegam aqui acreditand­o serem bruxas, pois é algo que faz parte da mitologia ganense. Elas querem ser purificada­s para poder voltar para casa”, diz Wandusim.

A reintegraç­ão às famílias e à comunidade é um dos trabalhos do GOHP. Membros do projeto vão até os vilarejos das vítimas para convencer parentes e os líderes locais de sua purificaçã­o.

Quando as mulheres têm doenças psiquiátri­cas, eles pedem a ajuda de médicos.

“Algumas sofrem de demência ou Alzheimer. Explicamos que seu comportame­nto não tem a ver com magia negra, mas com saúde.”

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Moradoras do campo de Gambaga, que acolhe mulheres acusadas de bruxaria em Gana

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