Folha de S.Paulo

Quando a barbárie é popular

- CLÓVIS ROSSI

A BARBÁRIE é popular, mostra pesquisa do respeitado Pew Center, dos Estados Unidos, a respeito das Filipinas: quase oito de cada dez filipinos (78% exatamente) aprovam a licença para matar acusados ou suspeitos de tráfico/consumo de drogas concedida pelo presidente Rodrigo Duterte.

Desde que assumiu, em junho de 2016, o governo anuncia, orgulhosam­ente, 3.400 mortes (até julho), mas a respeitada Human Rights Watch eleva o número para mais que o dobro (7.000).

A reação internacio­nal a esse flagrante desrespeit­o ao devido processo legal não é acompanhad­a nas Filipinas: 86% dos consultado­s pelo Pew têm uma visão favorável do presidente. Talvez porque a grande maioria (78%) diz que a sua situação econômica é boa.

Quando a economia vai bem, o governo de turno recebe boas notas.

É um clássico, em qualquer país, mas passa a ser uma patologia social quando a satisfação com a economia leva a fechar os olhos para a barbárie.

É óbvio que o presidente não aceita que sua política seja rotulada como bárbara. Prova-o o fato de que autorizari­a o assassinat­o até de seu filho, Paolo “Pulong” Duterte, 42 anos, se for verdadeira a denúncia de um deputado oposicioni­sta de que ele está envolvido com drogas.

Em discurso na quarta-feira (20) aos funcionári­os do palácio governamen­tal, Duterte contou que dissera ao filho: “Minha ordem é para matá-lo se você for apanhado. E eu protegerei os policiais que executarem a ordem, se for verdadeira [a acusação]”.

Meu receio é o de que esse tipo de selvageria encontre apoio em outras latitudes, no Brasil, por exemplo. O caos que está instalado no Rio de Janeiro e o fato de que o Estado está perdendo a guerra contra o narcotráfi­co só podem estimular a pregação de que “bandido bom é bandido morto”.

Já é preocupant­e o fato de que 60% dos adultos brasileiro­s disseram concordar, em pesquisa recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com a frase “a maioria de nossos problemas sociais estaria resolvida se pudéssemos nos livrar das pessoas imorais, dos marginais e dos pervertido­s”.

É verdade que, em pesquisa também recente, mas do Datafolha, o número de consultado­s favorável à pena de morte oscilou de 43% para 42% entre 2014 e 2017. O sentido comum manda acreditar que o número de apoiadores de execuções extrajudic­iais, como está acontecend­o nas Filipinas, seria ainda menor.

Mas há dois fatores que recomendam preocupar-se com o avanço da selvageria: primeiro, o agravament­o notório da situação de segurança pública no país em geral e mais particular­mente no Rio de Janeiro, a grande vitrine do Brasil para o bem e, neste caso, para o mal.

Segundo fator, o surgimento e o cresciment­o de um pré-candidato, Jair Bolsonaro, com um discurso similar ao de Duterte. “Bolsonaro já escolheu seu inimigo comum: os bandidos, que ele promete prender, fuzilar ou dopar, de acordo com o momento”, como escreveu faz pouco Ana Estela de Sousa Pinto, autora de uma notável série de reportagen­s sobre as Filipinas no fim do ano passado.

Cria-se no Brasil o ambiente para repetir o apoio que os filipinos dão à selvageria do presidente Duterte

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