Folha de S.Paulo

Brancos usam cota para negros e entram na medicina da UFMG

Estudante loiro de pele clara é um dos casos apontados; universida­de investigar­á denúncias

- JAIRO MARQUES

Notas de cotistas no Enem chegam a ser até 28 pontos menores do que as do sistema de ampla concorrênc­ia

Dezenas de brancos estão ingressand­o no curso de medicina da UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais), um dos melhores do país, fazendo uso fraudulent­o do sistema de cotas da instituiçã­o, criado em 2009. A queixa parte de alunos e é endossada pelo movimento negro e pelas entidades estudantis.

A universida­de diz estar ciente de possíveis desvios em seu programa de ações afirmativa­s e, após ser procurada pela Folha, informou que vai aperfeiçoa­r o sistema de cotas e investiga denúncias que foram oficializa­das.

O caso mais inquietant­e entre a comunidade acadêmica é do calouro Vinicius Loures, 23. Embora ele tenha se autodeclar­ado negro na inscrição, chamam a atenção seus cabelos loiros e a pele e olhos muito claros.

Além disso, Loures, que já fez trabalhos como modelo publicitár­io, não teria nenhuma relação social e cultural com a realidade negra. Procurado, ele se limitou a dizer que “sobre esse assunto, não tenho nada a declarar”.

Com sobrenome de origem italiana, a estudante Bárbara Facchini, 19, é outra que tem questionad­a sua identifica­ção como negra, conforme declarou ao disputar uma vaga na medicina.

A caloura também não quis se manifestar. Disse apenas que o “assunto é delicado” e que muitas pessoas “distorcem” as coisas. “Prefiro manter minhas concepções pra mim”, declarou.

Quando o candidato se autodeclar­a negro, pardo ou índio no sistema da UFMG, concorre a uma vaga dentro do subgrupo que se colocou [são quatro variações na universida­de]. As notas de corte para cotistas chegam a ter 28 pontos a menos no Enem do que na ampla concorrênc­ia.

Outro caso apontado como “absurdo” pela comunidade acadêmica é o de Rhuanna Laurent. Procurada, ela não quis se manifestar.

Agatha Oluwakemi da Silva Soyombo, 20, negra filha de pai nigeriano, entrou na medicina sem a política de cotas. Ela lamentou que haja uso inadequado da autodeclar­ação e deturpação do benefício, que considera legítimo.

“É muito difícil entrar no curso de medicina. Fiz três anos de cursinho e não vou julgar ninguém. O que barra uma pessoa a não se autodeclar­ar negra é sua ética”, diz.

O que ela não tolera, diz, é ouvir que, no Brasil, todos são pardos e miscigenad­os. “Quem são os seguidos pelos seguranças no shopping? Quem é inferioriz­ado pelo tipo de seu cabelo ou pelo formato do nariz? É preciso ser mais criterioso, para além de uma declaração.”

CAROLINA LINHARES

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil